Encaro meu rosto no espelho e me xingo mentalmente. Arrependo-me extremamente de ter virado mais uma noite estudando para as provas finais da minha faculdade de jornalismo. "Você devia viver sua vida, não se enterrar em livros." É o mantra que repito pra mim todo dia, mas essa é a minha maneira se fugir da realidade. É sábado de manhã e trabalho meio expediente numa loja que vende jóias caríssimas em um dos shoppings mais movimentados de Washington.
Não moro aqui desde sempre, na verdade, me mudei pra cá quando fui adotada por um casal. Atualmente eles são divorciados, mas tenho memórias felizes de quando éramos... Bem, quando éramos uma família unida. Saio dos meus devaneios e começo a me arrumar, visto uma calça jeans básica e uma blusa de manga, está meio frio hoje. Desço as escadas sem fazer muito barulho, com a certeza de que minha amiga e colega de apartamento está dormindo. Mas não é o que encontro.
Emma?! - Falo quase gritando, o que Emma está fazendo acordada num sábado? Diferente dos outros dias, ela não está vestida com uma camisola chique, mas sim com um conjunto de moletom.
- Oi May, bom dia pra você também. - noto seu esforço pra falar e começo a ficar aflita. Me aproximo do sofá no qual ela está deitada e toco seu rosto, retiro minha mão assim que vejo que Emma está queimando em febre.
- O que aconteceu? Você não parece nada bem. - lanço um olhar de preocupação. Talvez não seja nada demais, você é muito nervosa, Mayra. - meu subconsciente grita.
- É, não estou nada bem. Acho que o tempo frio me fez adoecer, mas relaxa, meus pais me forçaram a ir ao médico de madrugada, vou ficar legal.
Médico de madrugada? Em qual lugar do mundo eu estava que não percebi o sumiço da Emma? Nada de saltos martelando o chão ou discursos de bêbada. Ah, eu estava enterrada nos meus benditos livros, como sempre!
- Eu preciso te pedir uma coisa muito importante, e não aceito ouvir um não. - fala suspirando e já sei que vem bomba pela frente. - Preciso que você vá num jantar beneficente hoje a noite no meu lugar, e entrevistar aquele magnata gato, digo, Christian Grey.
Sinto o peso do mundo cair sobre meus ombros. Ir a um jantar entrevistar Christian Grey? Já ouvi falar nesse cara, ele é um dos mais ricos dos EUA. A ideia de estar em um ambiente com MUITA gente rica não me agrada, mesmo que seja em prol de criancinhas.
- Não quero te desapontar, mas não posso, Emma. Não estou preparada! - Falo após recuperar minha voz.
- É claro que pode, é claro que está preparada. Ah vamos lá, May. Você vai ser uma das jornalistas mais competentes que aquela faculdade já formou. Fiquei dois meses tentando essa entrevista pro meu Blog e estou frustrada por não poder ir. Simplesmente não posso dizer duas palavras com o Christian e ter um ataque de tosse, imagine a vergonha que eu iria passar! E também não quero transmitir gripe pra ninguém.
- Isso é jogo baixo, Emma. Você sabe como me atacar!
Emma faz uma cara de cachorro que caiu da mudança, não quero desapontá-la, mas como vou me comportar? É um jantar beneficente, ok, mas é óbvio que Emma tem mais classe do que eu.
- Você tem noção de quantas pessoas querem uma entrevista com Christian Grey? May, se você entrevistá-lo, vai ter um salto na sua carreira! Por favor, faça isso por mim e por você.
Analisou a situação. Vou a um jantar fazer uma dúzia de perguntas a um homem que nem sei como é e depois disso dou o fora. Eu consigo, tenho que conseguir. Solto o ar de meus pulmões e a encaro.
- Eu vou, está feliz? Ainda nem cheguei nesse jantar e já quero ir embora. - reviro os olhos e ela ri.
- Não me faça rir, May! Estou toda dolorida, mas obrigada. Você vai ver como as coisas vão mudar pro seu lado.
Olho pro relógio e preciso me adiantar, me despeço de Emma e já estou na rua. Penso nessa tal entrevista e meu couro cabeludo formiga, não pode ser tão difícil assim. Espero algum sinal de Justin, um dos meus poucos amigos homens e também motorista nas horas vagas.
Justin chega depois de uns 5 minutos e me cumprimenta rápido. Meu humor já foi pelo ralo, só quero que esse dia termine.
[...]
- Você vai vestida assim? - Emma me encara com uma expressão nada boa, talvez por eu estar de tênis e casaco.
- Olha, estou fazendo um favor a você. Minhas roupas não influenciam em nada.
- Não se irrite, May. Você vai no fusca do Justin? Já pegou o caderno, o gravador e a lista de perguntas que te dei?
- Já, e não, vou de táxi. Demoraria demais pra chegar até o outro lado da cidade. - murmuro enquanto dou mais uma ajeitada no meu cabelo.
- Nunca vou saber agradecer a você por isso. - Ela se levanta e me abraça. - Agora vai, quero ver sua carreira bombando, e quero detalhes sobre o Sr. Gostoso Grey.
Bufo e lhe dou as costas. O pior é que Emma está certa, essa entrevista vai mudar tudo. Sinto um arrepio na pele e ignoro essa sensação, respiro fundo e tento pensar em um jeito de me sair bem. É agora ou nunca!