Em um tapete de pele, estávamos sentados eu e meus dois netos. Um pouco mais longe, um pequeno espreitava o que estávamos fazendo. Era um menino com a pele clara como a neve e os cabelos encaracolados na cor do fogo.
Encarei os seus olhos travessos caminhando pela minha face, seus lábios puxados para um sorriso e seus movimentos inquietos e contagiantes.
— Venha rapaz, aproxime-se! — Pedi, chamando-o. Ele logo cumprimentou meus pequenos com um gesto e sentou entre eles.
— Vovô, quem é esse?
— Um velho amigo. — Respondi, fazendo as crianças o encararem.
— Vamos vovô, conta logo a história! — Exclamou a única menina dos três, Sunna. Era uma garotinha de sete anos, com os dentes de leite caindo e deixando em pedaços o seu sorriso ensolarado.
— Antes seu irmão precisa largar o brinquedo. — Respondi encarando Frigg, o mais velho. Era um garoto de nove anos que tinha em mãos os bois de madeira que seu pai o dera de aniversário.
Me obedecendo, o meu neto torceu os lábios e soltou os bois, vendo o garoto sorridente tomá-los em mãos.
— Pois bem, crianças, vocês sabem a história de como o seu avô conheceu a vovó? — Perguntei, encarando as faces confusas.
— Já, o senhor esbarrou nela e a derrubou, aí ela se apaixonou e vocês se casaram— Afirmou Frigg, com os olhinhos brilhando.
— Sim, Frigg, essa é a linda história que contamos para todos, mas já chegou a hora de contar para vocês a verdade — as três crianças se entreolharam, como se passassem a duvidar de toda e qualquer palavra que eu dissesse. — Começou quando eu ainda era um jovem moço. Trabalhávamos eu e papai na fazenda, vendendo a lã das ovelhas e fazendo o melhor queijo de cabra do vilarejo. Era sempre puxado ter de acordar antes do cantar do galo e trabalhar em meio aos bichos, fizesse chuva, sol ou nevasse, mas eu estava contente. Aqueles foram os melhores anos da minha vida e não tenho vergonha de admitir que considero os fazendeiros mais ferozes que os soldados.
O silêncio se instaurou por completo, como se todos previssem a tragédia que estava por vir.
— Mas no final de 1013, houveram diversas coisas complicadas aqui na Irlanda. Os Vikings estavam atacando as vilas com certa frequência e embora estivéssemos vencendo muitas batalhas, não tínhamos soldados o bastante para protegermos nosso povo. Foi então que no primeiro dia de inverno, antes dos raios de sol brotarem do horizonte, um soldado de armadura em metal frio bateu em minha porta. Era um capitão da guarda irlandesa e exigia em nome do Rei Brian Bórú que todos os homens do vilarejo seguissem com ele; o destino era Clontarf.
Ele estava sozinho e sem sombra de dúvidas possuía uma barba esbranquiçada pelas inúmeras batalhas de seu dia-dia. De todo o vilarejo, fomos doze homens que seguiram em seus trajes contra o frio e não tivemos a chance de nos despedirmos como se deveria.
Consegui dizer adeus para minha irmã, mas não para minha mãe. Podem ter certeza que eu senti o amargor subir a garganta no dia em que a deixei, sem adeus, sem um último olhar, sem nada, mas tenho certeza que o meu pai sofreu muito mais.
— Mas vovô — Sunna franziu o cenho, pensando com melancolia — a Bisa não se foi na última lua de 1013?
Meus lábios apertaram e as lágrimas vieram aos olhos; evitei chorar.
— Isso mesmo, Sunna, ela se foi.
O garoto sorridente se abateu em súbito, largando o brinquedo e alisando as pernas, como se tentasse afastar a tristeza.
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O maior tesouro
FantasyEm 1030 na Islândia, um velho senhor conta aos seus netos como um Leprechaun uniu o coração de dois jovens.