[CAPÍTULO I] - Richard Ritkins: Um Ensaio Sobre Moda

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- Você deve se achar muito inteligente, não é? - disse o detetive, estampando no tom de voz um além desejo de somente quebrar o silêncio, que, com um sucesso beirando o caricato, havia entranhado a sala minutos antes. - Sentado, aí... exibindo toda essa pomposa segurança de um falso inocente.

Abrindo-se, revelando uma outra visão de dentes simétricos do outro lado da mesinha, o sorriso do acusado acompanhava o breve ritmo de sua coluna sendo jogada no apoio da cadeira e os estilhaços de uma quietude rudemente espantada. Um arrependimento prévio o espetava nas profundezas do estômago, contudo, possuía a certeza que se apoderaria de um desprezo muito maior caso permitisse uma frase daquelas ser jogada a plenas quatro paredes.

- Não me considero inteligente, minha nobre figura. - respondeu o homem, num fio de voz. Concentrou atenções nos olhos do detetive como se a observar o encontro de dois buracos negros massivos. - Não considero nenhum ser humano verdadeiramente inteligente, ou de algum intelecto que seja passível de notoriedade. Discordo firmemente do fato de termos sido merecedores da racionalidade que nos foi dada. É tolice pensar o oposto. Mas, veja, a tolice é bem compreensível! - Como número pertencente ao mesmo monólogo, ele acenou para seu próprio crânio arredondado antes de desviar a palma da mão estendida para o detetive a despejar fumaça pelas narinas.

O recém citado pelo gesto amassou no cinzeiro a ponta do cigarro, depositando ali o que restou de sua carcaça branca já miúda. Das cinzas se juntando à crosta de detritos, o olhar do acusado moveu-se para uma barata esperneando-se no chão frio. O inseto aparentou receber o peso das pressas mentais do detetive sem muitos rodeios, pois elaborou um girar corpóreo quase imperceptível em seu movimento e partiu em busca de qualquer saída próxima, encontrando uma das fendas da parede e se entregando à escuridão corroída.

- Ok, Mr. Duddler, vamos lá! - pondo um joelho sobre o outro, o detetive de cabelos acastanhados escapando de seu chapéu de camurça fingiu desinteresse. Em um retalho de expressividades musculares levemente rugadas, formou o que seria chamado de um esforçado semblante de atenção. - Nos diga, por quê considera os seres humanos criaturas pouco inteligentes? Ou nulas de intelecto, segundo o seu próprio intelecto?

O acusado se utilizou de segundos pacientes.

- Não somos movidos pela racionalidade, ao contrário do que pensamos, detetive. - o homem se pôs a dizer, aparentando estar melhor preparado do que nunca. - Somos movidos pelos sentimentos. Eles nos tornam animais frágeis, agidos pela simples força dos impulsos, cegos para nossa própria desolação e destruição. - ele passeou uma das mãos pelo próprio cabelo, desgrenhando seus fios a direções ainda mais opostas e sinuosas de um e de outro. - Amor. Raiva. Nojo. Inveja. Dor...

Mr. Duddler lançou-se lentamente sobre a mesa, largando um suspiro demorado a poucos centímetros da face do detetive. O mesmo o encarava não demonstrando falhas de compreensão, ainda que observasse, inapto, a pouca sensibilidade de suas cavidades nasais se esvair perante aquele hálito de menta velha.

- Medo.

Afastando-se, inerente a formalidades, o detetive perguntou, sob a pausa que seguiu-se próspera a ser muito maior que os seus desejos:

- Onde realmente planeja chegar, Mr. Duddler?

- Eu? - ele retorquiu a voz, em um fiapo sonoro ofendido e pouco maleável. - Eu não planejo chegar a lugar nenhum! - o homem levantou as mãos para o ar sob a própria defesa da voz aguda, se jogando na posição preguiçosa de outrora. - Quem faz as perguntas a fim de encontrar algum fio de entendimento aqui é você, detetive Ritkins.

A caderneta ainda não havia sido corretamente agarrada pelas mãos macias quando o seu portador desconfiou-se em um paralisar súbito; de olhos escuros entreabertos, o detetive se reorganizou na cadeira pouca almofadada, atento ao sorriso sem dentes do seu investigado, daquela vez.

Glória Aos Que Correm - [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora