"Talvez eu tenha morrido", foi o primeiro pensamento de Eliza.
"Meu pescoço está coçando", foi o segundo.
Mesmo sem abrir os olhos, tentou levantar o corpo. Presa. Tentou mexer os braços, mas eles eram pesados demais. Tentou ouvir algo, mas um zumbido distante irritava o ouvido.
"Devo estar realmente morta"
Então se lembrou de que mortos não pensavam e esse fato a assombrou. Deveria ser aquela doença, a dos pesadelos... Matheus costumava ter. Parasita do sono? Não. Paralisia do sono. Sim, sem dúvida era isso. Sendo assim, logo ela estaria livre. Livre para mexer o corpo, descer as escadas e encontrar Matheus e papai para o café da manhã.
Então esperou que ela finda-se.
E talvez fosse o seu cérebro alucinado, mas os minutos demoravam horas. Ou eram as horas que soavam exatamente como minutos? Independente disso, Eliza encontrou semelhança numa espiral ininterrupta. Tinha olhos para as pontas, mas as pontas não tinham fim. Um traço de espelho refletido noutro espelho. Infindável. Presa.
Uma bolinha de estresse se alojou na garganta. Pulsante e constante. A morena nunca desejou tanto um grito. Era latente, precisava quebrar a inconsciência que tomava conta de seu corpo. Mas como? Não havia como. Enquanto isso o estresse aumentava.
"Como o Matheus sai disso?", pensou. Então, lembrou-se de já ter feito essa pergunta antes. Ele respondeu "Eu penso no calor. Penso nas minhas pernas e mãos e pescoço, e concentro o calor nelas. Tem que ser lógico, se não sua mente viaja e tu passa uns terror".
Então Eliza pensou no calor, e foi surpreendentemente mais fácil do que ela esperava.
Conduziu a consciência aos lábios, aos ombros e aos cotovelos. Lembrou-se de como era divertido remexer a cintura durante uma música, e de como era difícil pintar a unha do dedinho do pé. Pouco a pouco, sentia os membros vivos, a ponto do corpo vibrar e pulsar como que em união, um só ritmo.
"O corpo me pertence", foi o que ela pensou antes de abrir os olhos.
O que encontrou foi um mundo azul amarelado forte demais, então teve de fechá-los de novo. Após se recuperar, voltou a abri-los e junto das imagens veio as lembranças.
Não era seu quarto. Nem mesmo sua casa. A sua frente, estava uma poltrona de tecido azul e, acima de sua cabeça, uma luz cadente cor de gema. Ao seu lado, sua melhor amiga e do outro...
Não fazia sentido. Do outro uma janela, janela de avião. Mas além da janela não havia o céu, havia areia.
Era suposto que aviões voassem, certo? A mente de Eliza estava embaralhada.
"O que eu me lembro?", e foi listando. Estamos num avião. Todos os menores do Vale Verde estão aqui. Por quê? E demorou para encontrar a resposta em sí mesma. "Estamos doentes!", lembrou -se. Estamos indo ao Rio para o tratamento.
Voltou a olhar pela janela.
Esse lugar definitivamente não era o Rio.
E então se deparou com um fato curioso: o silêncio. Era suposto que 170 crianças reunidas num único ambiente fizessem um barulho infernal. Ou ao menos algum som.
Então lhe abateu o terror: O avião caiu e estão todos mortos! Num pulo, Eliza se virou a sua melhor amiga, que antes pensava estar dormindo.
— Ísis! – a balançou – Ísis!
E ela realmente parecia morta.
Entretanto, Eliza seguiu com as súplicas, balançando-a tanto que o óculos caiu. Logo era pânico, um conjunto confuso de lágrimas e dor. Sentia o corpo queimar em desespero. Continuou a chamando. E chamando. E onde ela segurava, a pele cedia.
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O QUE RESTOU
AventuraSem internet, sem adultos, sem respostas Esse é o estado dos jovens de Vale Verde. Presos numa ilha deserta, sem contato com o mundo exterior, eles buscam maneiras de manter a civilidade e, ao mesmo tempo, resolver o mistério que cerca essa condição...