Aquele maldito café de esquina estava tão vazio que até parecia saído de um filme de terror. Minha colega de turno havia rido do meu comentário, achando graça eu comparar um lugar com a aparência tão... "convidativa" a algo de filme de terror. Talvez até fizesse sentido. Tudo ali era muito novo e nada parecido com restaurante de beira de estrada como você espera que sejam os lugares onde se comete um assassinato. Não, o café parecia ter saído da mente perturbada de algum jovem cult que acha ser descolado sentar ali com seus notebooks caros, tirar fotos dos copos com a logo e fingir estar fazendo alguma coisa de útil em suas vidas.
Certo que ali não era uma loja franqueada daquela marca famosa, mas em uma cidade daquele tamanho, o maldito café era o máximo que os adolescentes teriam.
Encarei o relógio e não sei se fiquei feliz ou triste por meu turno está chegando ao fim. Tá, eu sou um tanto indeciso. Mas não gosto daquele lugar vazio, assim como não gosto de voltar para meu apartamento vazio. Bem, preciso mencionar Elvis, meu peixe betta de mais de 2 anos. E sim, não sei como ele está vivendo tanto tempo, mas nos damos bem e ele me faz companhia.
Enfim, enfim, enfim, Cristóvão, foca. O fato é que um peixe betta não é a melhor das companhias quando se chega em casa cansado depois de um dia exaustivo na faculdade e no seu emprego de meio período de merda.
Você pode estar pensando, por que não adotar um cachorro ou gato? Mas inviável. Como disse, não tenho quase tempo em casa e não dá para criar animais dessa forma. Pelo menos meu Betta não precisa tanto de mim.
— Não vai embora, não? — Minha colega... Qual era o nome dela? Júlia? Não sei, confesso que nunca olhava muito para a cara dela, os óculos e aparelhos me afastavam assim como a cruz afasta o diabo. Mas acho que talvez fosse Júlia. Talvez-Júlia me cutucou e apontou o relógio. Havia dado minha hora, na verdade, passaram alguns minutinhos enquanto eu divagava e divagava sobre minha eterna solidão.
Dei de ombros, mas me levantei e fui me trocar para voltar para casa.
Eu morava longe do café, o que às vezes era uma bênção, outras, uma maldição. Hoje estava sendo uma bênção. Quanto mais demorasse, melhor. Olha, eu não era tão carente assim geralmente, na verdade, nem sempre notava essa carência. Mas alguns dias a solidão bate pesado e nada que você faça resolve de algo. Aquele era um deles.
O meu ônibus passou no horário de sempre, mas as ruas eram sempre muito cheias no fim da tarde e demorou o tanto quanto eu queria que demorasse: uma eternidade.
Cheguei em casa cansado porém, o dia inteiro já pesando sobre meus ombros. Subi as escadas dois degraus de cada vez e me tranquei dentro do apartamentozinho. Apartamentinho? Aff, sei lá. Aquele buraco onde morava.
Como era costume, liguei meu computador e deixei o jogo carregando enquanto eu me lavava e trocava. Nada como uma boa partida online para fingir que eu interagia com alguém de verdade.
Credo, falando assim até parece que não interajo com ninguém. Mas não, eu tenho até alguns amigos na faculdade, mas não é a mesma coisa. Depois que deixei a escola, pareceu que deixei também minha habilidade social para trás. Ou talvez eu nunca tenha tido isso, mas é muito mais fácil fazer amizade quando se passa tanto tempo juntos, trancados em uma sala de aula.
Entrei em um jogo aleatório e me dediquei ao meu passatempo preferido: matar monstros e xingar competidores. Não no chat, claro, às vezes sim, porém. Joguei umas três partidas e estava indo para minha quarta quando um avatar desconhecido entrou. Não conheço todas as pessoas com quem jogo, mas geralmente são as mesmas que se repetem no decorrer da semana, então já tenho uma bela ideia de meus coleguinhas. Aquele era novo.
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Ana Catarina
ContoConto escrito para o desafio do Sodalício das Pétalas, inspirada pela música "If you're too shy (let me know)", da banda inglesa The 1975