As folhas caídas do cascalho farfalhavam na escuridão incessante da floresta, o verão se fora e o inverno chegara trazendo a ventania obstinada daquela noite de vinte e nove de julho. O fim das férias de meio de ano fora marcado por acontecimentos traumáticos e permanentes que perdurariam durante os próximos meses, perseguiriam aquelas sombras que se projetavam na escuridão da floresta. Uma lanterna se acendeu no rochedo que se estendia pelo chão, trilhando um caminho em direção à obscuridade.
O que estamos fazendo é crime, ponderou uma das sombras.
Ela tremia, suas mãos tremeluziam incansavelmente, suas pupilas dilatadas por conta do cansaço e percebeu então que seus pés estavam descalços, banhados por sangue assim como o seu longo vestido de carmim.
Já cometemos um crime, cabe a nós decidirmos se seremos julgadas por ele ou não, respondeu uma outra voz grosseiramente. Ela estava irritada, sabia o que haviam feito, tinha ciência de que se envolvera em um crime, e não do tipo que se livra facilmente, como roubar cerveja barata de um depósito. Se envolvera em um homicídio.
Estamos aqui, nós o faremos, a última voz ali presente indiciou, escondendo todo o desespero em sua voz, tentando parecer calma. Mas suas entranhas se remoíam e gritavam. Ela queria matar alguém, seu desejo mais majoritário remoendo-se ali dentro, e os sentimentos se aflorando e despertando, as unhas pressionando a palma da mão a ponto de que lhe rasgaram a superfície.
O porta malas do Volvo XC60 foi aberto.
Jesus Cristo, clamou alguém.
Gemidos e lágrimas.
Pare de chorar, se controle.
Sabe que não foi minha culpa, murmurou aos prantos.
Calem a porra da boca, calem a porra da boca, já está feito.
Havia um corpo ali dentro, enrolado em um cobertor negro como a escuridão que rodeava toda a extensão de árvores, a noite estalava. Os animais gritavam aos arredores, e as árvores se balançavam freneticamente, como se dissessem estamos vendo, sabemos o que vocês fizeram.
Uma madeixa de cabelo se livrou do emaranhado quando as sombras puxaram o corpo pelos pés e pelo tórax, levantando-o e o carregando.
Uma das sombras chorava, e gemia, e gritava, e pedia ajuda a Deus, pedia que tudo não passasse de um sonho, mas não era um sonho. A realidade às vezes é assustadora porque não podemos controla-la, em contrapartida, a realidade nada mais é do que o resulto de nossas escolhas.
Estamos mesmo fazendo isso, seus pés nus se arrastavam pelo barro, sangue e terra se misturaram.
Sim, respondeu a voz irritadiça.
Deitem-na, vou buscar a pá, determinou a sombra mais pacífica.
E ela voltou alguns segundos depois com uma pá em suas mãos, seus olhos azuis tilintaram quando ela cavou pela primeira vez.
E quando por fim jogaram aquele corpo dentro do buraco que se formou, lágrimas surgiram em seus olhos. E o medo a alcançou, incessante, principalmente quando algo se remoeu nos arvoredos por trás de suas cabeças.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Boa Garota
Mystery / ThrillerNa pacata cidade interiorana Campos do Jordão, um grupo de três amigas luta contra o tempo para provar a inocência quando misteriosamente são envolvidas em um assassinato. Claire, Virgínia e Ana, estudantes de um colégio de alta elite são obrigadas...