O som das engrenagens continuava a ressoar pela casa, o velho relógio cuco na parede da sala já não funcionava mais como deveria, o vento se espreitava pelo assoalho, uivando por entre as frestas da madeira. Mais uma madrugada chegava ao fim, e mais uma vez Annabeth se encontrava desperta, a insônia já a acompanhava a um certo tempo, já era sua amiga. Ela levou a palma da mão até os olhos, esfregando-os, como se tivesse acabado de acordar, o que era no mínimo irônico, visto que mais uma noite havia passado em claro.
O clima em Dola sempre era de extremos, no auge do verão, o calor quase sufocava os moradores, a única fonte de alívio era o pequeno rio que cortava a gigantesca floresta de araucárias que cercava a cidade, já no inverno, Dola se tornava uma cidade fantasmagórica, a chuva era predominante, a serração reinava dia e noite sobre o pequeno povoado. A pacata cidade se encontrava no interior da serra do Rio Grande do Sul, pouco mais de mil e quinhentas pessoas a habitavam, isso contando as que moravam nas propriedades rurais, mais afastadas do centro, o povoado mais próximo deveria estar a cerca de cem quilômetros, e assim como Dola, não apresentava muita estrutura para os moradores.
Ela se sentou na cama e colocou os pés no chão, o piso do velho apartamento soltou um leve rangido, "a quanto tempo eles não eram trocados?" pensou ela enquanto pegava seu celular para iluminar seu caminho, 4:57 marcava a tela do aparelho. Com todo o ânimo que conseguia reunir, o que não era muito, ela se levantou da cama, pegou o velho casaco de lã, um dos últimos presentes que sua avó a havia dado e se dirigiu ao banheiro. Cruzou a porta e o pequeno corredor a sua frente, acendeu a luminária e ligou o chuveiro, o encanamento deu uma leve rangida, enquanto a caldeira fez um pequeno estouro enquanto começava a esquentar, Annabeth despiu-se e entrou debaixo do jato de água fervente.
"Um banho quente vai me ajudar a relaxar um pouco, talvez isso faça com que eu consiga dormir", esse pensamento parecia um tanto quanto esperançoso demais. Enquanto a água escorria por seu corpo, Annabeth se agachou dentro da banheira, fechou os olhos e respirou fundo. A imagem de sua avó a ajudando no banho quando pequena veio a sua cabeça, como ela gostava de brincar com a espuma da banheira enquanto as suaves mãos da doce senhorinha acariciavam sua cabeça e enxaguavam as longas madeixas loiro avermelhadas que pendiam atrás de suas orelhas.
Annabeth estava no auge de seus 26 anos, corpo esguio, pele clara como marfim, e o rosto salpicado de sardas, todos diziam que ela se parecia muito com sua mãe, embora ela nunca tenha tido a chance de conhece-la, a mulher a abandonou com sua avó logo após o parto. A avó da garota, dona Alda, era uma senhora extremamente gentil, e tratava Annabeth com tanto amor, que conseguia preencher completamente o vazio que a mãe havia deixado, Alda ficou tão contente com Annabeth ter entrado para o corpo policial da cidade, que no dia da nomeação, fez cucas e pães caseiros para todos os que compareceram à cerimônia.
Após algum tempo, a garota abre os olhos e levanta, desliga o chuveiro e começa a se secar, aproveitando o calor que ainda havia no ambiente, volta a vestir suas confortáveis calças de moletom, a camiseta manga cumprida e o grosso casaco de lã. O quarto estava levemente gelado, "na próxima vez, deixe o aquecedor ligado" pensou ela, deitou novamente na cama e puxou o pesado cobertor para cima de si, se aninhando para preservar o calor que começava a sentir na cama.
A chuva caía forte lá fora, da cama quase não se conseguia enxergar as grandes araucárias que se espalhavam pelos morros atrás do quintal, o tilintar das gotas no telhado do estacionamento formavam uma sinfonia que se intercalava entre o irritante e o reconfortante. Antes que pudesse sequer cogitar a ideia de talvez conseguir dormir um pouco, o telefone tocou na mesa de cabeceira.
-Alô? - Respondeu a garota enquanto soltava um leve bocejo.
-Anna, me encontra na saída da cidade em 15 minutos, é urgente! - Disse a voz esbaforida do outro lado da linha.

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Labirinto de Ossos
Mystery / ThrillerUma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, uma série de assassinatos, nenhum suspeito e uma sombra de horror que se alastra sobre todos.