1- Ana Rosa I

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Bufei pela milésima vez naquela noite ou madrugada, minhas "amigas" haviam me dado um bolo, coloco aspas no amigas porque elas nunca foram do tipo que fazem tudo por mim, elas são muito mais amigas entre elas do que são comigo. Deprimente, eu sei. O fato era que eu estava sozinha como uma idiota em um bar idiota me tornando uma bêbada idiota, suspirei encarando o copo de caipirinha na minha frente, olhei a tela do celular uma última vez e virei o restante da bebida sentindo minha garganta arder um pouco.

-Pra mim já deu.-Sussurrei para mim mesma e deixei o balcão caminhando até o caixa do bar enquanto tirava o cartão da carteira.-Débito.

A moça do caixa pegou o cartão sorrindo amarelo pra mim em seguida.

-Noite difícil?-Ela perguntou e eu assenti com a cabeça. A mesma se abaixou atrás do caixa e pegou algo me entregando junto com a minha via do pagamento.-Espero que melhore.

Um bombom de cereja estava agora na minha mão, agradeci a ela antes de pegar o celular para pedir um uber pra casa.  Sem amigas, sozinha e com pais hippies que se mudaram para uma cidade praiana, haviam algumas coisas sobre meus pais que todos precisavam estar cientes no momento em que me conheciam. Eu tinha dois pais, um carioca loiro, alto e da pele bronzeada como o verdadeiro Apollo, já o outro um paulistano magrelo, pálido e de cabelos pretos, quase como um antissocial. Quando tinha 11 anos e li Percy Jackson pela primeira vez percebi que eu era a verdadeira filha de Will Solace e Nico Di Angelo.

Outra coisa que precisam saber sobre meus pais é que eles são incrivelmente jovens, com apenas 40 anos eles se achavam as idosas do século passado, convenhamos que eles não eram tão jovens assim, 40 anos é muito tempo, mas ainda sim eram pais jovens, para alguém de 22 como eu. Terceira coisa, meus pais haviam enlouquecido cerca de seis meses atrás e simplesmente juntaram tudo se mudando para uma cidade no nordeste, bem pequena com apenas 7 mil habitantes, contando as vilas ao redor obviamente, eles haviam aberto uma pousada linda que eu estava doida para conhecer e me largado com uma casa enorme sozinha.

Isso me obrigou a sair da zona de conforto e fazer amizades, algo que obviamente não havia funcionado muito bem, sendo verdadeira, a moça do caixa me dando um bombom havia sido muito mais simpática que as minhas "amigas". Devia ter desconfiado quando aquelas fúteis metidas a besta começaram a me convidar para sair e sempre me pedindo para levar a câmera e fotografá-las, sem de fato sair nas fotos. Suspirei me lembrando do bombom em minhas mãos, algo de bom havia acontecido pelo menos

No momento que abri o bombom para dar a primeira mordida senti uma trombada que fez o bombom cair no chão se partindo completamente. Eu ia chorar e ia ser agora.

-Ah não!-Choraminguei encarando o bombom no chão, me virei encontrando um garoto de olhos azuis me encarando de olhos arregalados. Ele estava saindo do bar também.

-Me desculpa, eu não te vi.-Ele se desculpou rapidamente olhando meu bombom no chão. Antes de falar mais alguma coisa ele encarou sua própria mão onde tinha um bombom idêntico ao meu.-Noite difícil?

-Uma merda na verdade.-Respondi e ele sorriu assentindo com a cabeça antes de me esticar seu bombom.-Obrigada.

-Sou Rafael a propósito.-Ele disse apontando para si mesmo.

-Ana Rosa.-Disse sorrindo para ele.-A sua noite foi ruim também?

-Péssima, meu encontro me deu um bolo.-Ele disse enfiando a mão no bolso da calça jeans.

Meus pais sempre falaram muito sobre destino, eles eram a prova viva que ele existia, mas eu jamais acreditei, pra mim o mundo apenas estava acontecendo ao nosso redor e acasos como esse rolavam as vezes. Mas ainda sim, conseguia ouvir a voz de meus pais me dizendo que eu deveria fazer algo naquele momento. E eu tinha certeza que iria me arrepender disso, mas para alguém alguém sempre vivia no piloto automático, era legal fazer algo diferente.

-Quer dar uma volta?-Perguntei vendo ele me olhar estranho.-Eu tomei um bolo também.

-Eu tô com fome na real.-Rafael disse e eu ri assentindo com a cabeça seguindo com ele pela rua.-Você é daqui mesmo?

-Nascida e criada em São Paulo.-Respondi com certo orgulho de mim mesma, eu adorava ser paulistana.-E você?

-Sou de Carazinho.-Ele sorriu ao fim da frase e eu franzi a testa.-É no Rio Grande do Sul.

-Tá meio longe de casa.-Comentei e ele deu de ombros parando para esperar o sinal ficar verde para os pedestres.-Tá fazendo o que em São Paulo?

-Eu sou youtuber.-Rafael respondeu me encarando rapidamente. Me perdi por alguns segundos naqueles olhos azuis dele, que olhos bonitos.-E você?

-Eu sou fotógrafa.-Respondi pegando ele pela mão para atravessar rápido quando vimos a chance e ele não me afastou. Paramos no meio fio oposto e eu apontei para a rua atrás de nós onde os carros ainda passavam.-Precisa ser rápido aqui, Carazinho.

Rafael parou de andar me fazendo parar também, seus olhos estavam vidrados em mim e aquilo me deixou um pouco nervosa, ao mesmo tempo que eu simplesmente não conseguia me mover diante daquele olhar. Era como se ele desejasse gravar cada traço do meu rosto em sua mente e eu entendia a sensação, quando fotografava tinha esse mesmo olhar, mas ninguém nunca me olhou dessa forma. Sabe nos livros de aventura ou romance quando as mocinhas falam que "seu olhar dizia tudo"? Nunca compreendi essa frase até esse exato momento porque de fato, os olhos azuis de Rafael diziam tudo e nada ao mesmo tempo. Ou talvez eu só não estivesse sabendo entender ainda, mas conseguia ler de alguma forma

Era como ler um livro sem palavras.

-Se vai me chamar de Carazinho, eu vou te chamar de São Paulo.-Sua frase me fez molhar os lábios com a língua antes de sorrir dando de ombros. Rafael sorriu e entrelaçou seus dedos nos meus rapidamente, engoli em seco precisando de alguns segundos para me recompor mentalmente, e em partes fisicamente também.-E então São Paulo, onde é o McDonald's mais próximo?

Aiai, o acaso desses dois é muito fofinho na minha opinião.

Coringa- CellbitOnde histórias criam vida. Descubra agora