1 - Lilly

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Vila Anis, 03 de Janeiro de 2025.

Prezada pessoa que está a ler esta carta... Acho que é assim que se começava escrevendo uma, é a minha primeira vez realmente redigindo algo assim. Não, eu não conheço você, caro destinatário, sendo sincera li o nome da sua cidade em um pacote de biscoitos aqui de casa e, clandestinamente e perigosamente fui atrás de um endereço.

Ah, vamos! Sente e aproveite este breve relato, nas situações atuais duvido muito que esteja ocupado(a) com algo além da preocupação com o desastre iminente da humanidade próximo, não é verdade?! Pois então, eu compadeço desse sentimento, acredito que todos estão a par desta sensação odiosa de preocupação, ansiedade e pânico. Qual foi a última vez que uma pessoa desconhecida te deu um "bom dia", ou um "como vai você"? Para mim, faz exatamente um ano. Estamos isolados, presos em gaiolas como passarinhos, enquanto nosso inimigo vaga do lado de fora, invisível, absurdamente mínimo, mas que possui uma força terrível de nos matar de dentro para fora.

Diga-se de passagem, a culpa é nossa! Criamos essa coisa, como nos filmes de ficção que pensamos que nunca iriam acontecer na vida real... Bem, o universo e suas ironias. De tanta poluição, desencadeamos um vírus mortal que está no ar! O que antes nos dava a vida, agora nos tira; a própria natureza se encarrega de cobrar a conta, mas ninguém aqui tem a quantia necessária para quitarmos a grandiosa dívida. É, são tempos muito difíceis, sejamos francos. Não sei a sua cabeça, mas a minha estava à beira de um colapso, prestes a se sucumbir em minhas paranoias desencadeadas pela ansiedade extrema, que por sua vez, se deu por causa desta realidade horrível, isso até minha avó, sem querer que fique claro, me deu essa ideia!

Brilhante, devo enaltecer, de passagem escrever uma carta a um desconhecido, já que estamos incomunicáveis feito prisioneiros em nossas casas, e também porque eu estava sem muita coragem de iniciar uma assunto com meus antigos amigos. Muito poético, não acha?!

Mas, onde estão meus modos?! Meu nome é Lilly. Sim, só Lilly, nem sobrenome, menos ainda a descrição de como sou, vai de sua criatividade me imaginar como bem entender, só não force a barra, sou impreterivelmente comum! Quanto à idade, pode já ser claro que sou jovem, uma dica, tenho entre 14 e 19 anos, e nada mais! Nenhuma informação, não queremos estragar a brincadeira, não é verdade? Bem, minha cidade você já sabe, porque aparentemente parece ser um dado muito importante para se enviar uma carta. Considere-se lisonjeado(a) caro destinatário(a), és a primeira pessoa para quem envio uma!

Vila Anis é uma cidade do interior, de casas feitas de madeira, todas pintadas de cores vivas, não tinha uma só morada que não era encoberta pela grama e jardinagem impecável. Vivemos da agricultura, pesca, plantio e nossas flores. Antes de este inferno cair pelo mundo, tinha uma névoa branca que cobria as manhãs, os céus sempre límpidos. Lembro que eu acompanhava meu pai até as plantações. Lá era meu lugar favorito no mundo, do tipo que te faz ter a sensação de poder voar. Depois, religiosamente, eu ia para a escola. Antes eu poderia citar em ordem alfabética todas as ofensas que já consegui pensar contra aquele prédio de fabricação de bullying, professores malucos, provas de sobrevivência e merenda duvidável... Mas agora, eu daria tudo para atravessar aqueles corredores novamente.

Era uma terça-feira, primeiro dia do novo ano, quando acordei naquela manhã escura, a fumaça que se alastrou rapidamente pelo globo, também chegou aos cantos mais remotos da terra, não me refiro somete aos desertos, florestas afastadas, ilhas isoladas ou o Polo Norte (quase tive uma síncope quando vi como ficou), mas quando pequena eu achava que Vila Anis era um lugar mágico que nunca nada do mundo exterior iria cruzar nossos mares para vim nos fazer algum mal. Mas como sempre, eu estava enganada!

Não sentia tanto ânimo para acordar mais, a rotina se perdeu e tarefas repetidas a fim de continuarmos vivos. Eu encarava as janelas de madeira do meu quarto com tábuas pregadas e dois lençóis separando qualquer fresta da atmosfera segura de casa, sentada na cama sem nenhuma perspectiva de encarar o primeiro dia do ano daquela forma tão amarga. E eu detesto tudo que tenha gosto amargo!

O Contar de Lilly e o Recontar de HenryOnde histórias criam vida. Descubra agora