1. O Programa Bolsa Família

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O Programa Bolsa Família, criado em 2003 pelo governo federal, é considerado um eixo estratégico para a integração de políticas e ações no enfrentamento da pobreza, no acesso à educação e no combate ao trabalho infantil. Foi criado tendo como perspectiva unificar os programas de transferência de renda em vigência no âmbito federal, a partir da constatação de seu funcionamento com programas concorrentes e sobrepostos nos seus objetivos e no seu público-alvo; da ausência de uma coordenação geral desses programas, gerando desperdício de recursos; da ausência de planejamento gerencial dos mesmos e dispersão de comando em diversos ministérios, além de orçamentos alocados insuficientes e do não alcance do público-alvo conforme os critérios de elegibilidade dos programas. Foram unificados: o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Cartão Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil — Peti e o Agente Jovem.

Tendo como perspectiva a articulação da transferência monetária e políticas educacionais, de saúde e de trabalho direcionadas a crianças, jovens e adultos de famílias pobres, o programa partiu de

dois pressupostos: um de que a transferência monetária para famílias pobres possibilita a essas famílias tirarem seus filhos da rua e de trabalhos precoces e penosos, enviando-lhes à escola, o que permitirá interromper o ciclo vicioso de reprodução da pobreza; o outro é de que a articulação de uma transferência monetária com políticas e programas estruturantes, no campo da educação, da saúde e do trabalho, direcionados a famílias pobres, poderá representar uma política de enfrentamento à pobreza e às desigualdades sociais e econômicas no país. (Silva; Yazbek; Giovanni, 2011)

Atualmente (2012) o Programa atende mais de 13 milhões de famílias em todo o território nacional nos 5.564 municípios brasileiros. Seu orçamento em 2010 alcançou 0,4 do PIB (11,4 bilhões). As últimas PNADs revelam uma questão essencial: os PTRs não retiram os beneficiários do trabalho. Inúmeros estudos e pesquisas vêm demonstrando que os impactos desses programas assistenciais sobre as famílias mais pobres, sobretudo no Nordeste, é incontestável. Ele significa basicamente mais comida na mesa dos miseráveis e compra de produtos essenciais.22

Em 2010, do total de 12,5 milhões de famílias beneficiárias, cerca de 4,3 milhões superaram a linha de extrema pobreza do Programa (R$ 70 per capita/mês) mas, apesar desses avanços o número de pessoas em situação de pobreza no país ainda é muito alto (por volta de 30 milhões) e a taxa de desigualdade continua entre as mais altas do mundo. Também são conhecidos os impactos dos benefícios sociais, como o Bolsa Família ou a aposentadoria rural nas economias locais, especialmente nos pequenos municípios dependentes da agricultura, que em muitos casos constituem as mais significativas fontes de renda a movimentar o mercado interno de bens e serviços essenciais.

Questões problemáticas vêm sendo apontadas no desenvolvimento desses programas, tais como: quais as reais possibilidades de elevarem o nível de escolaridade da população brasileira, de saúde, de nutrição, ou seja, de inserção social da população atendida? Qual sua efetividade enquanto política pública de enfrentamento da pobreza no país? Qual a sustentabilidade desses programas e seus impactos reais em termos de autonomização das famílias atendidas?

O que se observa é que os programas de transferência de renda focalizados na pobreza e na extrema pobreza revelam, sob a orientação da ideologia neoliberal profundas mudanças nas políticas sociais contemporâneas. A mais significativa delas é a substituição de políticas e programas universais por programas focalizados na pobreza e na extrema pobreza, como se política social fosse "coisa para pobre". Outra constatação é o fato de que esses programas apenas "aliviam" a pobreza, desenvolvendo-se ao largo de políticas econômicas que não se alteram. Ou seja, as determinações estruturais geradoras da pobreza e da desigualdade social não são consideradas, limitando-se essa intervenção a melhorias imediatas nas condições de vida dos pobres, servido tão somente para manter e controlar a pobreza e potencializar a legitimação do Estado. Cria-se um estrato de pobres que se reproduz no nível da sobrevivência, sendo instituída a ilusão de que o problema da pobreza será resolvido pela Política Social (cf. Silva, 2011).

Outro aspecto a ser problematizado é que o direito inalienável ao bem-estar, de todo cidadão de sobreviver com dignidade, é colocado sob a responsabilidade da mulher, que se vê obrigada a administrar a família com valores monetários insuficientes para aquisição da cesta básica (cf. Silva, 2011).

Cabe destacar que o programa apresenta problemas estruturais relevantes que limitam a inclusão de segmentos pobres e reduzem as possibilidades de impactos mais significativos sobre a redução dos índices de pobreza no país. Entre esses problemas estruturais merece destaque a adoção do critério apenas da renda para definição dos pobres e extremamente pobres. Esse critério, além de não considerar a dimensão multidimensional da pobreza, fixa para inclusão uma renda per capita familiar bastante baixa, deixando de fora muitas famílias que vivenciam extremas dificuldades. Ademais, o benefício monetário transferido para as famílias é extremamente baixo, mesmo com reajustes ao longo do tempo, para produzir impactos positivos na ultrapassagem da linha de pobreza por parte das famílias beneficiárias (cf. Silva, 2011).

Sabemos que permanecem na política social brasileira concepções e práticas assistencialistas, clientelistas, "primeiro-damistas" e patrimonialistas. Observamos na rede solidária a expansão de serviços a partir do dever moral, da benemerência e da filantropia, que em si mesmos não realizam direitos. Ainda encontramos em nossas políticas e instituições uma cultura moralista e autoritária que culpa o pobre por sua pobreza.

 Pobreza no Brasil contemporâneo e as formas de seu enfrentamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora