Hanami

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Era como se tudo que eu já tivesse vivido se resumisse àquele momento, era simples, uma simples silhueta. Estar parada sobre aquela ponte e vê-lo em seu próprio mundo debaixo da cerejeira, banhado pela chuva de pétalas me deu a sensação de que estava apenas sonhando. Era possível e não seria nem a primeira, nem a segunda vez.

Cocei os olhos querendo ter certeza da singularidade, minha miopia, ela poderia ser culpada. Pesquei meus óculos de lentes quadradas no decote do vestido e o encaixei no lugar, não era uma confusão qualquer. Ele não estava preso no looping de estar apenas respirando de olhos fechados sob a árvore frondosa, estava conversando com alguém e sorrindo como um gatinho.

A vontade de chegar e dizer: "Oi, tudo bem? Gostaria de dizer que você sempre assombra meus sonhos.", foi enorme. Mas que sentido faria? Seria apenas a lunática que fala coisas desconexas, mas e se de alguma forma ele me visse também? Havia essa possibilidade? Havia. Claro que tudo que acontece nos romances tem algum pequeno ponto que pode ser real, ou podem se tornar desde que alguém acredite piamente nisso.

Eu gostava de acreditar que teria um príncipe encantado vindo em meu encontro em algum momento na jornada da vida, mas também pensava que isso era ridículo. Um dia eu comecei a sonhar com um garoto recostado debaixo de uma cerejeira, quando foi somente uma vez, acreditei ser fruto dos meus romances. Na segunda, eu estava pilhada, na terceira eu deixei de tentar de entender, era apenas alguma coisa. Na quinta, acreditei que poderia significar alguma coisa. Passei a procurar por um lugar parecido pelo mundo, comecei a estudar línguas que pudessem me levar àquele lugar, estava plantada em um lugar quase idêntico naquele exato momento e não podia acreditar no que estava vivendo.

Meu cabelo voou junto com o vento, se embolando na armação dourada, vi algumas garças sobrevoarem o rio. A ponte de três arcos estava sob meus pés, a floresta de cerejeira estava a minha frente, pessoas passando por mim e eu estancada no lugar com os olhos arregalados. Perdi qualquer controle que pudesse ter, o tempo estava parado para mim. Pisquei os olhos algumas vezes, olhei ao meu redor procurando me repor. Bati minhas mão na saia do meu vestido vermelho leve, tentei aquietar meus cachos e passei a caminhar naquela direção.

A minha cabeça deveria permanecer em branco e talvez minha vida pudesse virar de cabeça para baixo como em um dos meus romances. Eu podia passar por ele e acontecer uma infinidade de coisas, ou eu podia passar por ele e nada acontecer. Talvez estivesse a uns vinte passos dele, observando a curva delicada do maxilar se mexer à medida que tagarelava sobre alguma coisa que não prestei atenção. Os lábios finos e cheios na medida certa, os olhos cor de ônix com um brilho próprio e arrebatador. Os fios do mesmo tom enegrecido curtos e jogados para a direita como um bad boy costuma usar. O corte tinha as laterais muito mais curtas do a parte de cima e aquilo deu ênfase nas orelhas adornadas por uma singela argola prateada. Os jeans claros, o moletom amarelo e os all star brancos. Partes que o deixavam mais ainda delicado em sua beleza suave de porcelana.

Devo tê-lo encarado demais, ele agora sozinho, parecia ter os olhos sobre mim. Tombou a cabeça para sua direita, talvez com a pergunta: "O que essa estranha tanto encara?"

Encarava ele.

Galguei mais alguns passos e parei diante dele, me curvei em cumprimento.

- Desculpe te encarar, me lembrou alguém que conheço.

Se alguém tinha que fazer algo, esse alguém era eu mesma. Ele deu um meio sorriso e deu um pequeno curvar com a cabeça.

- Então era isso, parecia assustada. Pensei que tinha algo errado comigo.

- Não tem nada errado - sorri. "Na verdade está tudo certo." - Desculpe, novamente.

Quando os Dedos se Inquietam  HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora