Um pedido especial de uma seguidora do Instagram. Para todos aqueles que sentem que não podem subsistir ai Medo
Você já sentiu que dançava a esmo sobre um pontilhado de infortúnios, pisoteando oportunidades e dando piruetas sem apoio e equilíbrio? Ao menos sabia com quem aceitou dançar?
A forma que aquela existência me olhava instigava em mim um sentimento escuro, dolorido e sufocante. As lágrimas corriam sobre minhas bochechas e eu continuava ali paralisada, como que presa no olhar de uma serpente. De fato os olhos oblíquos pareciam-se, com uma serpente. A voz parecia não existir num murmúrio rouco que me mantinha dentro do bote cruel.
A parte incrível de dançar com ele é que parecia que continuava vivendo minha vida normalmente. Quem gostaria de pular de paraquedas? Qual a necessidade de colocar a vida em risco em pular de bungee jump?
Acontece que o nó e os passos dessa dança ficam mais apertados, e dançar em público com aquele par em questão já não era necessário. Aí a dança se tornava sensual o suficiente pra me sufocar em minha própria existência. Pular de bungee jump fora de questão! Mas e pular pra fora da cama? Conseguir me levantar de madrugada para pegar água...
Eu estava dançando com o Medo.
Tinha medo de viver, tinha medo de morrer. Eu era apenas uma existência vazia como uma bailarina de marionete, nas mãos ardilosas e suaves do Medo.
Estava sentada olhando ele me convidar pra mais uma dança, aquela que transformaria meu sonho em pó. Eu só precisava falar, só precisava colocar a caneta no papel. Contudo ele sussurrava: "Dance comigo menina, eles vão rir de você se mostrar o que tem. Melhor dançar comigo que conheço sua inutilidade"
A língua dele martelava a cada palavra como uma bola de demolição, demolindo meu coração e alcançando a minha alma. Pulverizando e enterrando o que eu era.
Meus pais brincavam na cozinha, mas pareciam gigantes. Como king Kong que não poderia ouvir se eu murmurasse. Não tinha porque tentar, eles nunca ouviam.
E só com aquela possibilidade de ser ignorada, eu já me via com os dedos roçando a palma direita do Medo aceitando a dança. Mas e se eu recusasse? E se eu tivesse medo do Medo? E se ele me fosse trampolim?
Os olhos dele brilharam perigosos quando sentiu meu desafio. E estalaram quando um sorriso se abriu em meus lábios secos. A frase que a mamãe adorava usar: "O que mais temia, me sobreveio!"
Eu só tinha que ter medo da coisa certa. Ele aprumou a coluna. Eu só precisava ter medo de colocar os pés no chão. Ele estalou o pescoço e vi um fio dele mesmo em seus olhos. Eu só precisava ter medo de ser ouvida. Ele já negava com a cabeça com veemência.
— Mãe, pai... — dois pares de olhos estavam sobre mim — Eu gostaria de ser ouvida! Eu tenho medo de ser ouvida, desprezada e estou dançando com o Medo todos os dias.
Eu tive medo de falar, e o Medo estava me olhando boquiaberto como que descrente da audácia. Eu tinha medo de me tornar como ele, que dependia das agruras de outro para dançar.
Um sorriso de escárnio enfeitou seus lábios frios, eu titubeei nas palavras e ele voltou a me estender a mão, como era sua parceira de tempos não pareceu terrível. Meus pais olharam pra mim com as sobrancelhas franzidas e eu me dividia em olhar para eles e para aquela Existência. Eu só precisava de um empurrão, qualquer empurrão. Mas se eles me dessem o empurrão errado eu estaria dançando flamenca com o Medo novamente.
Eu era frágil como vidro naquele momento, o Medo parecia inflar seu peito a cada eterno segundo. Eu era parceira do medo, era minha escolha de todos os dias. Não precisaria encontrar pessoas que me desprezam se dançasse com ele, não precisaria ver o Sol no telhado se estivesse dançando com ele. O mundo não precisaria saber que meus olhos tinham cor de alguma coisa bonita que inventassem, era apenas eu dançar com ele!
Eram conclusões maravilhosas, não!? Era fácil viver só com ele.
Aquela centelha existente ainda de Coragem olhou pra mim com certa compaixão. Seus olhos eram brilhantes mesmo estando raquítica. "É o que ele quer que você pense, querida! Ele pensa que se puder ao menos ter quem sempre dance com ele, vai poder ficar abraçado ao seu corpo eternamente para sobreviver"
Eu senti enjoo. Senti como se tivesse suja e cada célula do meu corpo estivesse coberta de piche.
"Um segredo, minha cara, ele nunca ficará mais raquítico que eu. Eu posso sempre me quebrar, mas o segredo de me manter forte, é dançarmos nós os três. Porque se tiver Medo, vá com ele mesmo, eu te dou impulso!" Ela pareceu mais brilhante, por aquele mísero momento, ela pareceu a mais forte das estrelas. O Medo desprezava aquelas palavras que pareciam feitas de mel, e cantarolava uma sonata lúgubre qualquer esperando o próximo Ato. A Coragem continuou a esperar, paciente por meu desejo.
Minha mãe estalou os dedos em frente meus olhos.
— Querida, o que queria dizer? Mamãe está aqui, pode sentar e falar.
E eu chorei. Não queria dançar com mais ninguém, queria me sentar e descansar, tomar água e apenas apreciar tudo. Se Sagan tinha razão e somos pó de estrelas, a minha deveria ter morrido já a muito tempo. E eu não sabia que tinha dito em voz alta, até que mamãe me respondeu com um pequeno sorriso.
— Meu bebê, uma estrela morre para que outras sejam formadas. Nem toda morte é o fim. É só pensar nas estações, nos ciclos que a natureza tem.
O Medo tinha se aquietado. A Coragem sorria com ares de "eu não disse?!" E com uma cor a mais em sua pele.
— Eu quero respirar, mãe. Eu só gostaria de não dançar o tempo todo com o Medo.
— O Medo não é alguém que você deveria ouvir, ele sempre vai ser como uma sombra em seu tornozelo, que se você deixar que a luz apague, vai te tomar por inteiro. Então querida, vá com Medo ou sem Medo. Agarre-se a qualquer luz que você tenha. Se eu não puder te ouvir, vai ter alguém por aí que vai, e não importa o que aconteça, continue caminhando. — Ela encheu os pulmões enquanto secava minhas bochechas e seus olhos pareciam húmidos, ou era falha de minha visão. — Existe um dizer: "se estiver passando por um inferno, continue andando! Não faz sentido parar nele."
— Quer dizer que mesmo que eu dance com o Medo, que eu continue olhando para os resto do que foi minha Coragem?! Que junte cada pozinho que restou dela e vá caminhando mesmo que continue em passos difíceis com o Medo? — pisquei os olhos longamente e retorci os dedos entre os joelhos.
Como aquilo poderia parecer exatamente simples e cruelmente difícil!? O Medo em silêncio exalava sua descrença de que eu pudesse dar um passo e convidar a Coragem para dançar. O que eu não tinha notado era que somente de eu ter dito aquelas poucas coisas, de ter pensado sobre aquele espetáculo em minha vida, que somente eu assistia, a Coragem já estava na dança como um pequeno auxílio que me mantinha de pé.
"Só se manter caminhando..."
Aquele pequeno ponto de luz pareceu resplandecer como uma estrela de nêutrons, e eu segurei numa mão fria e em outra calorosa e machucada. Dançando um Gavotte tentando estabilizar a pequena vivência do que eu era. Era apenas manter os olhos abertos, de que eu poderia tentar amanhã de novo.
E se eu tiver medo?! Vá com medo mesmo!
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Quando os Dedos se Inquietam HIATUS
Historia CortaTem dias que nada flui, tudo parece monótono, mas os dedos não querem se contentar em ficar quietos e nesses momentos surgem frases, parágrafos e até um conto inteiro. Quando nada fluir aqui vai ser o campo para esses pequenos contos que surgem do n...