Em memória de Nick, meu latte chamuscado de cappuccino
Sacudi minha garrafinha só para a decepção de ela estar vazia me atingir em cheio. Era uma garrafinha enorme que cabia quase um litro de água e eu a tinha secado em menos de uma hora em meu estado de inércia voluntária, folga era para esse tipo de coisa, certo?
Todo o falatório durante toda a semana de trabalho, as horas de stress, a falta de chocolate e a falta do cheiro que era meu calmante natural... tudo bem, esse último era mais difícil de conseguir. Entretanto estava sendo consumida de pelo tédio, e me recusava a mexer um músculo para enviar uma mensagem se quer.
Nick bateu as patinhas na porta encostada e entrou esbanjando toda a quantidade de pelos que tinha. Ele era mais sedoso que meu cabelo sem fazer o mínimo esforço, até quando passava dias sem tomar banho.
— Dá pra ser menos metido?
Ele se esparramou pelo tapete felpudo e deitou sem me dar bola, fiz bico em reflexo. Não sabia qual de nós dois era mais temperamental.
— Abusado. Onde está a visita? Não conseguiram um bom relacionamento?
Ele pareceu resmungar, eu podia jurar que ele estava reclamando que o outro peludo naquela casa não era bem-vindo, principalmente quando ele não falava a mesma língua. Eu tinha um cachorro bem ciumento, mas com toda a certeza o mais bem comportado e obediente do mundo; só minha opinião era válida.
Sentei procurando as opções disponíveis pra curtir minha folga já que o moreno que me seduzia só de respirar estava ocupado, minha melhor amiga estava com o moreno dela — eu era muito feliz por isso, a propósito — e eu tinha um cachorro mal humorado no tapete, e outro fazendo alguma bagunça pelo apartamento.
Soprei os cachos que desciam pelo meu rosto com cara de poucos amigos para mim mesma. Minhas séries incompletas, eu não queria; meu livro pela metade, também não queria. As tarefas atrasadas dos cursos, com toda a certeza: não.
— Tá difícil.
Me coloquei de pé, me encaminhando para a cozinha. A camisola era minha melhor amiga, ninguém estava vendo mesmo, e quem via, não reclamava. Devia ser quase hora do almoço, não tinha tomado nem o café e calculei estar a mais de duas horas enrolando na cama.
A cozinha estava uma zona de guerra. Uma zona que eu tinha que arrumar se quisesse fazer qualquer coisa, suspirei organizando alguns copos e voltei todos os passos de volta ao quarto só para alcançar o telefone e pousá-lo sobre a caixinha auxiliar. Poucos cliques e a música enchia cada cômodo do meu doce lar, juntei o ninho que chamava de cabelo e o prendi em um coque desmazelado, apenas para que não caísse no rosto ou escorresse pelos ombros embolando nos meus movimentos.
Cantarolava o que lembrava e murmurava a melodia quando perdia o fio da letra. Assim, era fácil terminar a montanha de vasilhas esparramadas pelo cômodo, mesmo se me demorasse em coreografias inventadas ou "viajando na maionese" olhando pela janela.
Pia limpa e coração em paz, xeretei as panelas ponderando se desistia do café, mas até ali, ele era o favorito a vencer. As panelas tinham o básico e tinham bifes de hambúrguer na geladeira, entre filtrar e ferver água e coar pó, escolhi o segundo. Ao menos me manteria acordada por mais tempo, sem o que fazer, com toda a certeza eu voltaria a dormir. Era um dos melhores passatempos quando não estava querendo fazer nada.
Virei o líquido fervente na minha caneca favorita, sentindo o cheiro e deixando o vapor subir apenas para ficar inebriada. Os dois bebês de quatro patas se colocaram perto fazendo barulhinhos fofos na esperança de um petisco.
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Quando os Dedos se Inquietam HIATUS
ContoTem dias que nada flui, tudo parece monótono, mas os dedos não querem se contentar em ficar quietos e nesses momentos surgem frases, parágrafos e até um conto inteiro. Quando nada fluir aqui vai ser o campo para esses pequenos contos que surgem do n...