Capítulo 3

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- Vou pedir um lanche Kaique, você quer?

- Quero sim, pode pedir qualquer um pra mim que eu como

- Tá bem, já volto. Pode sentar, fica à vontade.

Entrei na cozinha com o telefone na mão e liguei para pedir os lanches e um refrigerante. Já programei o despertador para mais cedo que o de costume já que eu estava sem a minha moto, olhei as mensagens novamente na esperança de que Augusto tivesse mandado algo, mas a essa hora ele já estaria dormindo e não me mandou nada hoje além do bom dia, o que me fazia pensar se ele realmente se arrependeu de sua atitude da outra noite. Tentando não pensar nisso, voltei para a sala com um sorriso amarelo, percebendo que teríamos que permanecer juntos na sala até a comida chegar, quando me sentei ele quebrou o silêncio

- Desculpa se eu te deixei sem graça, é só o meu jeito

- Acho que você mudou muito, não me lembro de ser assim

- Eu sempre fui sincero, você que não reparava

- Sincero nada, você só quis me constranger

- Acho engraçado você ainda agir assim depois de tantos anos

- Eu ajo normalmente, você deveria era ser adulto e se desculpar

- Ah, vai mesmo exigir desculpas por eu ter falado a verdade?

- Que verdade?

- Que você estava inquieta no carro comigo, acho que lá no fundo ainda mexo com o seu coração adolescente

Joguei uma almofada nele que caiu na gargalhada

- Eu tenho um noivo, sabia?

- Sério?

- Sim

- Eu não sabia. Ele vai se incomodar se me ver aqui quando chegar?

- Ele não vai chegar, não mora aqui

- Não?

- Claro que não, é meu noivo não meu marido

- Nossa que puritanos

- Olha eu não sou nada puritana, ele não morar aqui não significa que a gente não é normal

Dei ênfase na palavra normal, alterando um pouco me tom de voz

- Gente como você é nervosa né? Ficar adulta te fez mal menina

- Você não sabe nada sobre mim e fica julgando não gosto disso

- Não sei porquê você se afastou de mim

- Eu me afastei? Você mudou de cidade e não voltou mais

- Claro que voltei, eu venho visitar todo ano, tanto que não vendi o apartamento daqui para ter onde ficar, você que me evita toda vez que eu tô na cidade

- Eu trabalho muito

- É a tia Helô me disse, ela está toda orgulhosa de você, fez direito não é?

- Fiz sim e estou construindo uma carreira sólida num escritório importante da cidade

- Que legal, isso é muito bom, você gosta de trabalhar lá?

- É normal. Preciso trabalhar para crescer e aprender como o mercado funciona

- No caso você não gosta

- Não disse isso! Para de tirar conclusões a meu respeito

Quando íamos começar uma nova discussão o interfone tocou anunciando a chegada do lanche. Desci para buscar e fiquei imaginando Kaique no meu apartamento. Não me lembrava dele ser tão irritante quando eu era criança, então me lembrei que ele estava doente e que provavelmente estava puxando essas  briguinhas na intenção de se distrair do real problema. Ele parecia tão forte, que não conseguia aceitar que ele estava doente. Voltei ao apartamento e nos sentamos no chão da sala para comer, o folgado já tinha tirado os sapatos e estava ligando a TV.

- Já está se sentindo em casa então?

- Sou da família, lembra quando a gente sentava pra ver filme era sempre uma briga, a Ju chegou a rolar no chão fazendo birra uma vez

- Ela sempre foi a mais dramática

- O que não fazia sentido já que a mais nova é você

- De mentalidade é a Ju, sempre vai ser

- Era horrível ser o único menino no meio de três meninas, eu sempre era voto vencido

- Era horrível mas não desgrudava da gente

- Ah eu não tenho irmãos igual a você, odiava ficar sozinho e a Bia tinha umas amigas gostosas também

- Como é que é? Você achava as amigas da Bia gatas?

- Sim, tinha uma ruivinha que pelo amor de Deus

- Eu lembro dela era uma metida

- Claro que lembra você jogou seu suco nela uma vez

- Foi um acidente

- Ata, vai mentir pra outro né? Você jogou o suco nela porque chegamos de mãos dadas

- Nada haver, nem me lembro disso

Eu disse e cinco minutos depois comecei a rir, pois realmente eu virei o suco nela de ciúmes, mas em minha defesa eu tinha apenas 14 anos.

- Tá vendo como é verdade, você não valia nada era uma peste

- Ela era muito chata e você agia como se ela fosse incrível

- Na época era, minha primeira vez foi com ela

- Sério?

- Sim, foi. 

Ele disse de uma forma natural e eu tentei não demonstrar interesse, mas uma pontinha de ciúmes se instalou em mim. Me repreendi, afinal, não tinha motivos para sentir nada por ele. Ainda mais algo de tantos anos atrás. Mudamos o assunto para trabalho e faculdade, ele havia feito economia e gostava de administrar os negócios da família do pai dele. Eles trabalhavam com sistemas de segurança em redes de computadores, para bancos e empresas financeiras principalmente. Eu não o imaginava de terno em uma reunião importante, mas era isso que ele fazia e aparentemente amava o trabalho. Me contou também sobre algumas viagens que fez e no meio desse assunto lançou a segunda bomba da noite.

- Eu vou viajar pelo mundo esse mês

- Como assim viajar pelo mundo Kaique?

- Ué viajando. A agência de viagens está montando um pacote legal para mim. 

- Tá maluco Kaique? Você tem que fazer seu tratamento

- Não vou fazer Gi, eu já vi esse filme duas vezes e não gostei nem um pouco eu vou aproveitar que descobri no início e curtir a minha vida ao máximo

- Você só pode estar brincando! Você é rico pode pagar pelos melhores médicos

- Mas prefiro pagar pelas melhores experiências

- E se você passar mal nessa viagem?

- Alguém dos hotéis me ajuda ué

- Vai viajar sozinho?

- Vou. Eu não tenho ninguém para ir comigo na verdade.

- Você é completamente louco, não pode sair do país doente, sozinho e sem fazer seu tratamento é suicídio

- Não. Não é. Eu quero viver a minha vida e tem coisas que quero fazer antes de morrer, mas se para você é tão difícil aceitar isso, eu vou embora.

- É melhor mesmo você ir

Abri a porta e ele se foi, meu coração ficou em pedaços eu apenas me joguei no sofá e deixei que as lágrimas viessem. Crescemos juntos, quando meus pais se divorciaram ele estava lá para conversar comigo, eu o vi aprender a andar de bicicleta, o ajudava a roubar o pote de doces da minha Vó, choramos juntos quando ela se foi. Ele era especial para mim de diversas formas, ele era família e eu não negaria a mim mesma o direito de chorar por alguém que amo então me entreguei as lágrimas, deixei a dor sair e chorei enquanto pude até finalmente adormecer.

Meu Último Mês [Em Andamento]Onde histórias criam vida. Descubra agora