Dentro do bosque o cheiro de musgo inunda minhas narinas. Nas mãos trago apenas uma câmera judiada; no peito, a sempiterna angústia ressoa com o canto dos grilos. Caminho na penumbra vagarosamente e já posso vê-los: encostados em troncos retorcidos com os miolos espalhados; pendurados por cordas já desgastadas com seus olhos estufados; formas pálidas e azuladas lutando para chegar até a margem do riacho... Quem assim os visse certamente diria que estão mortos. Escolheram-me, entretanto, para mostrar que não.
Os pendurados se lamentam com o que restou de suas cordas vocais; os que repousam ao lado do que restou de suas cabeças ainda se contorcem, agonizando. Posso ver nos olhos negros dos que se arrastam pra fora d'água o desespero. Não sabem que a vida nunca termina para aqueles que a querem terminar? Ficam ali, por toda a eternidade, revivendo a cada segundo o que aparentava ser o fim do sofrimento.
Sou o único que pode vê-los e eles me escolheram. Já não vivo mais minha vida - sou aquele que registra suas dores e fui condenado a carregá-los em minhas costas. Se pudesse voltar atrás, deixaria eu de tentar me pendurar naquela corda? Vejo todo dia as marcas no espelho. "Um lembrete", diz a voz em meus ouvidos. Olho mais uma vez para o homem de olhos estufados, preso pela corda... Ali está o que restou de vivo em mim. Tiro a última foto da noite. No outro dia, recomeço.