Parte III

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— I love you so — disse Cely Santex, abraçando-o. — Conte-me, Naru, o que está fazendo aqui? E esse encontro fora do protocolo e em Washington...? 

Ele não respondeu nenhuma das perguntas de Cely. Então, querendo decifrar os pensamentos daquele homem de quarenta anos (que por sinal aparentava ter bem menos), trajando um belo suéter, ela o encarou, mas não obteve sucesso com o seu sexto sentido. Subitamente, enquanto ela tentava decodificá-lo, Naru Hatoro a beijou. Cely sempre sentia uma ligeira comichão na face quando ele a beijava, mas ela gostava que fosse assim, afinal, a barba ainda por fazer não indicava que Naru fosse negligente, era um charme à parte a pedido da própria amada. 

— Por que você continuou investigando o governo coreano? 

— E essa pergunta agora, Naru? 

Ele voltou-se para o interior do quarto, pegou uma pasta amarelada sobre a cama e mostrou a Cely. O conteúdo tratava-se de uma série de documentos sobre um alvo que deveria ser eliminado, por saber demais. Segundo aquelas informações, marcadas com o selo da Agência Coreana de Inteligência no cabeçalho, a próxima missão de Naru Hatoro seria exterminar uma espiã americana de alto risco à segurança da Coreia do Norte. A fotografia, anexada aos arquivos, em preto e branco, era de Cely Santex. E, no mesmo instante, vendo aquilo, ela gelou. 

— Não, isso não é possível, Naru... É um pesadelo!

— Uma guerra entre nossos países é inevitável, Cely. Nós dois sabíamos que era só uma questão de tempo até isso acontecer. Não imagina a reação de desespero que tive quando recebi esta pasta. Só de pensar que... Não, jamais faria algo contra você, Cely. Muito provavelmente vai receber (isso se já não recebeu) uma missão com o objetivo de me eliminar. Meus superiores alertaram-me sobre essa clara possibilidade de o alvo estar também no meu encalço. 

— Ainda não abri minha correspondência, não sei... 

— Acalme-se, Cely. 

— Eu jamais faria isso. Eu te amo tanto, Naru.

— Também te amo, Cely. Por isso te chamei aqui. Uma atitude deve ser tomada e preciso que confie em mim.

Ela se lembrou da mensagem que recebera.

— E o que você quer fazer, Naru? Desertar...?

— Sim, Cely. Deveríamos ter pensado e feito isso há algum tempo, com certeza evitaria toda essa situação desagradável. Vamos fugir, desaparecer, trocar de identidade. Isso é fácil pra gente, Cely, afinal, sabemos dos macetes mais do que qualquer outra pessoa. E o bom é que ficaremos juntos para sempre. É só vir comigo. Não é isso o que quer? 

Cely o abraçou, sorridente. 

— Sim, Naru. É o que mais desejo.

De repente, o ruído de hélices cortando o vento pôde ser ouvido. A janela estourou em vários pedaços. Instintivamente, Naru e Cely foram para a defensiva. Uma bomba de fumaça quicou na parede e rolou para perto do criado-mudo. Ele sacou uma pequena pistola. 

— Você foi seguida — gritou Naru. 

— Impossível — disse ela. 

O barulho das hélices aumentava enquanto a fumaça tomava conta do ambiente. 

— Temos que sair daqui — disse ele, puxando Cely para o chão. Um segundo depois, abafadas por um silenciador, uma saraivada de balas atingiu o interior do quarto. Logo, Cely se lembrou de algo a que não dera a devida atenção: a falta de movimentação pelos corredores do hotel. 

— É uma cilada... — sussurrou ela. 

A missão de Naru fora apenas um embuste para algo muito maior. 

— Sim, dois coelhos numa cajadada só — completou Naru extasiado. Era uma armadilha da Inteligência coreana em solo americano. 

Naru e Cely, engatinhando, saíram do quarto. No corredor, o casal deparou-se com dois coreanos de smoking bloqueando o caminho. Naru puxou o gatilho da pistola e abateu um deles com um tiro no pescoço, já o outro foi derrubado por Cely, que articulou um forte golpe em seus testículos. 

— Meu carro está estacionado a dois quarteirões daqui — disse Naru. 

— Sejamos rápidos — gritou ela. 

Então, avançaram até o único meio de fuga. 

— Eles descobriram tudo. E agora? — indagou Naru, tirando as chaves do bolso.

— Morremos, não é, Naru? — ponderou Cely nostalgicamente ao abrir a porta. Trinta e cinco minutos depois, caçados por um helicóptero, o veículo envolveu-se num trágico acidente. O carro capotou e despencou da ponte Theodore Roosevelt, submergindo nas águas do Potomac.

“Os ratos foram pegos na ratoeira... Inesperadamente”, transmitiu-se via rádio aos superiores. A resposta, numa frequência criptografada, foi breve e definitiva: “Apague os rastros da serpente e volte pra toca”.  

InesperadamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora