Capítulo 1

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O sol e a lua eram meus únicos amigos. Conseguia ouvir os fogos daquele quarto pequeno e escuro, alguns instantes eu conseguia erguer os olhos e vê-los, os fogos. 2021... Mais um ano. Sozinha. Esquecida. Minha vida era uma completa solidão desde o dia em que eu entrei naquele hospício. Era tudo triste, eu era obrigada a passar todos os dias drogada, as enfermeiras simplesmente me odiavam e eu não sabia o porquê. Vestida em uma camisa de força, não conseguia fazer muita coisa. Eu saia dali uma vez por dia, todas ás vezes eu andava em direção a minha paz, eu tinha 3 horas em uma sala onde eu praticava violino, cello, piano-forte, guitarra... Eu amava a música. Eu entrava em um universo só meu, onde eu poderia ser quem eu quisesse, e no meu universo, eu era uma pessoa anônima, livre e feliz. O cello foi minha escolha do dia, o ar estava gelado, de Gramado isso era a única coisa que eu amava. Peguei o cello, sentei-me em uma cadeira preta, me ajustei e toquei Beethoven, eu amava aquela melodia meia surrada, podia jurar que pareciam as histórias onde ouve uma batalha no céu. Toquei com fervor, meu coração queimava, e se eu não podia sentir coisas diferentes em outros cantos da terra, faria aquilo parecer histórico. E foi. Senti meu rosto molhado, lágrimas desciam sobre minha face, eu estava triste, cansada, esgotada, aquilo parecia ser uma eternidade e jamais sairia daquele lugar, não com um histórico como o meu. Estou. Sou. Sempre fui, quebrada. Nada poderia me salvar, mas, de alguém? Ou de mim mesma?

Aquele era meu aniversario. Não recebi nenhum parabéns, nenhum bolo, nenhuma surpresa, nada, só eu e as estrelas da janela do quarto. Olhei com força para elas, olhei profundamente para elas, e falei:

— Eu quero fazer parte de algo! Algo em que possa ter lembranças, algo para lutar, motivos para sorrir. É tudo que peço. Por favor. – Chorei, chorei e chorei. Não queria passar o resto da minha vida ali, eu estava um caos.

Era noite e eu estava com medo. Eu estava tremendo de medo.

A porta se abriu. A enfermeira entrou.

— Brianna, exame de rotina, por favor, nos acompanhe – falou ela.

— Por favor, Catia, eu já fiz esses exames semana passada, hoje é meu aniversário, não podem me deixar em paz? Só hoje? – Pedi soluçando

— Sabe que se não for, vou ter que obrigá-la a ir. – terminou.

Não falei nada. Não me mexi. Não queria ir. Não podia. De novo, não. 

Ela fez uma ordem com a cabeça para os enfermeiros me colocarem na camisa de forças e me obrigarem a ir. Eu lutei, debati, gritei, mordi. Mas não resisti à injeção que me deram sem que eu tivesse visto, um sedativo. Acordei, na maca da sala do doutor. Vi que ele já havia feito todo o trabalho sujo mais uma vez. Vi minha calça e calcinha em um banco perto, percebi que eu só estava com a camisa de força, e vi que ele estava bebendo.

— Você ficou um ano melhor sabia? — falou com um sorriso diabólico no rosto.

— Você é um imundo... um, um... velho nojento e asqueroso. Um dia você vai me pagar por tudo que esta fazendo comigo. — gritei.

- Ah, pare de choramingar. Você não é nenhuma criança.

- Mas eu era quando você começou a fazer isso, eu era uma criança. – falei, quase sem voz.

— E era mais prazeroso antes, pode acreditar. — Ele tirou minha camisa de força, mas eu não podia fazer nada, qualquer tentativa minha e eu seria punida. — Agora se vista antes que eu a mande para a sala vermelha.

Me vesti, e logo depois ele acionou um botão e um minuto depois dois enfermeiros apareceram para me levar de volta ao meu quarto. Como podem colocar uma criança no mundo e simplesmente abandoná-la? Eu só queria uma família. Um lar. Eu queria ser feliz.
~

Ela tinha 09 anos quando chegou lá, 01 de janeiro de 2012, e tudo começou com um fogo em um vestido rosa purpurina. Quando tinha 2 meses, ela foi entregue no orfanato Santa Luzia. Ninguém sabia quem eram seus pais. Ela viveu lá por muitos anos, em todos esses anos ela tinha problemas, sejam eles com a emoção, a raiva, físico e etc. Parecia não se adaptar ao clima da região. Morar em São Paulo era ruim para ela, mas nunca conseguia ser ajudada. Tinha alergia aos remédios, e dores de cabeça constantes. Falava sozinha, e às vezes fazia coisas para que os colegas se machucassem de alguma forma. No seu aniversario, ela pediu a professora para se vestir de vilã. Ela queria um vestido roxo, maquiagem preta, e uma arma. A professora achou muito estranho para uma criança de nove anos pedir, mas mesmo assim deu a ela, porém, sem a arma. Quando sua festa começou todos estavam praticamente adorando Melina Carlos, ela estava de rosa purpurina, e seus cabelos loiros reluziam. Brianna ficou esquecida, todos maravilhados com a beleza de Melina, foi ai então, que a raiva de Brianna aumentou, ela foi a cozinha, pegou um fósforo, ascendeu e o colocou debaixo do vestido de Melina. A garota só percebeu o fogo quando começou a queimar sua pele. Melina ficou irreconhecível. Quando a superintendente do orfanato perguntou quem tinha feito aquilo, só uma pessoa tinha visto. Izaque. Izaque Gomes. E ele apontou para Brianna, que continha o rosto frio e impassível. Imediatamente a superintendente a pegou pelo braço, a levou para o canto do castigo e lhe deu dez chibatadas de régua na palma de sua mão. Brianna, em todo o momento, se manteve séria e impassível.

— Você é filha do demônio – Cuspiu a superintendente

— Ele não teria essa honra. É muito grande até para ele — Falou Brianna, confiante.

— Você não é ninguém. Nunca vai ser ninguém. Não tem uma pessoa só que te ame. Todos te abandonaram. Lixo. É o que você é.

— Me fale algo novo, mas parece que sua capacidade mental é tão ruim que nem criatividade você tem mais. Ta velha. — Falou com um sorriso no rosto.

A superintendente ficou furiosa, e levou Brianna pelos cabelos até o seu quarto e a trancou lá. Cinco minutos depois, sua professora entrou lá, arrumou suas coisas e pediu para Brianna descer com ela. Estava sendo levada para outra instalação, um hospício. Com o histórico de Brianna, era fácil conseguir se livrar dela.  Mas antes que ela entrasse no carro, sua professora a puxou e falou:

— Meu amor, eu sei que sua vida é difícil. Mas você não pode desistir. Seja forte. Aguente até o final. Muitas pessoas dependem da sua vida. Vai chegar o dia. — terminou a tempo suficiente para que a superintendente a colocasse no carro e ele fosse embora.

Ela nunca entendeu o que aquela mulher disse, mas de uma coisa Brianna estava certa, ela ter pedido ou não, iria se permanecer firme. Não iria perder aquela batalha.

Laço de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora