1 - O Príncipe Volta

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Os primeiros raio de luz atravessavam o vitral verde e dourado, viajando sobre as partículas de poeira levantadas por um movimento inquieto. Quando refletiam, revelavam uma pele levemente morena bronzeada e marcada por um curso de água fino que descia dos olhos - tão verdes quanto a própria luz - demarcando as maçãs profundas do rosto delicado de Zypher.



- Droga...



Sua voz ressoava no quarto amplo, mas parecia tão só quanto o seu reflexo no espelho que cobria toda a parede à frente e fazia o recinto parecer assustadoramente maior. Zypher então levantou-se, assistindo a si mesmo conforme os pesados lençóis brancos lhe escorregavam do tronco nu e caíam ao chão, revelando apenas uma bermuda branca sobre as pernas fortes, desproporcionais em relação ao resto do corpo, cuja iluminação atual o fazia parecer quase esquelético. Mais acima, as digitais esguias alcançavam o curso prévio das lágrimas e as secavam, depois rumavam sem impedimentos ao lado de seu corpo como se a gravidade fosse seu único guia.



- Eu tô um caco... - reclamara a si, enquanto afastava o cabelo que agora caía sobre sua fronte - Preciso sair daqui.



Os fios negros como piche estavam completamente desalinhados e seus cachos estavam desfigurados pela inquietação noturna, seu semblante soturno agora era tudo o que restava dos suspiros anteriores, mas logo seria substituído por um sorriso na centelha de esperança de enganar alguém. Era triste, forçado, mas bastaria.



- Zy?



Ao ouvir a voz feminina atravessar o ar, o garoto saltou imediatamente sobre a cama, procurando a camisa que devia ter tirado em algum ponto da noite e revirou o tecido de todo o lugar, ao ponto que o elástico se soltou das laterais do colchão, fazendo-o grunhir de modo impaciente.



- Pera, Amy! - disse à voz, alcançando sua camisa no chão, consideravelmente folgada - Vou abrir!



No entanto, não tardou para que da própria porta se ouvisse um clique seguido de outro, e mais outro, e mais outro, então Zypher, ciente do que estava acontecendo, lançou-se no chão, vestindo rapidamente sua camisa para que não vissem seu torso desnudo. Bem a tempo, o coro desordenado de vozes explodiu alegremente na entrada do local.



- Feliz aniversário, Zypher!



Da entrada do quarto se viam quatro pessoas, duas meninas e dois meninos, todos jovens. Trajavam roupas finas, tinham os cabelos perfeitamente alinhados, exalavam um misto intenso de perfumes... completamente arrumados.



- E-ei! - gaguejou o garoto desarrumado, confuso pelo comportamento incomum - Calma! Eu acabei de acordar, cara...



Algumas gargalhadas do mais velho entre eles se espalharam graves pelo quarto como se ricocheteassem nos detalhes dourados, assim como a risada da mais nova parecia retinir no cristal do lustre ao teto, destacando o silêncio sorridente dos outros dois.



- Caiu da cama de novo, Zyzy? Poxa... Se levanta pra falar com seus irmãos, vai.



Quem se pronunciava era seu meio-irmão, Mordriar. Era mais velho que ele por um ano e não tinha nada a ver com o garoto. Ao se aproximar, era visível que seu olho direito era azul como o do pai, enquanto o esquerdo era dourado, quase brilhante, como o da mãe. O dourado era sua marca de Invocador, advinda de uma das heranças mais poderosas.



- Vamos, Príncipe Primaveril, você sabe que tem muito pra fazer hoje.



A frase vinha de Ames Dennarini que se aproximava rapidamente. Ela era sua irmã apenas pela junção de seus pais, Akhan e Kyalla, mas era filha somente de Kyalla, sua madrasta, o que não os tornava mais distantes.

Centelhas de AmeraOnde histórias criam vida. Descubra agora