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O Hospital Mederi era enorme.
Com sua incrível arquitetura predominando a madeira e o concreto, gerando um ar moderno de clínica cara e acessível a poucos. Localizado no centro da cidade de Nicz, parecia que a cidade havia sido construída ao seu redor. Era uma grande referência também para as cidades vizinhas, trazendo todos os dias, enormes caravanas de pessoas necessitando tratamentos difíceis e caros. Materiais de ponta, recepções de decoração minimalista em cada uma das áreas, divididas por especialidade; enfermeiras com sorrisos prontos e médicos esbanjando elegância, mesmo cobertos por seus jalecos. Vendo deste ponto de vista, qualquer um poderia admitir que o local custaria uma fortuna para receitar simples analgésicos no caso de uma gripe, porém acontecia justamente o contrário.
O dono do hospital, Charles Von Mederi, era um visionário de bom coração e com dinheiro de sobra, além de pertencer a uma geração de médicos dedicados à profissão por toda uma vida. Decidiu que faria mais do que a família já ofertava para a cidade, considerando que os membros mais velhos agora pertenciam à secretaria estadual e municipal de saúde. A cidade de Nicz logo tornou-se referência em gestão, com a mão forte da família gerando um exemplo em como ofertar um serviço sólido e completo de saúde.
Neste mesmo hospital, na ala psiquiátrica, cá me encontrava em mais um dia de internação. Meu quarto ficava a cerca de cinco metros da bancada, a recepção da ala de psiquiatria. Eu conseguia observar pela estreita lacuna de vidro que adornava a grande porta de madeira, duas enfermeiras, aparentando cerca de 30 anos de idade e extremamente concentradas em seus respectivos computadores. Uma delas, Max, era minha grande amiga e confidente neste período de tortura, ao qual me encontrava. De olhos castanhos e gentis, assim como um longo cabelo loiro cascateando por suas costas, suas feições que lhe davam um ar jovial e Max parecia ser muito mais nova do que realmente era. Mas havia uma grande maturidade na leve expressão que seus olhos transmitiam.
Por vezes, Max permitia que eu saísse do quarto, fora do horário permitido, para que pudéssemos assistir canais aleatórios na televisão da recepção e conversar. Isso permitia que eu mantivesse uma rotina mais próxima da que costumava ter fora do hospital, onde meus amigos revezavam-se nas ultimas semanas para garantir que eu não permanecesse sozinha por longos períodos de tempo, além de amenizar a sensação claustrofóbica que o quarto gerava em mim.
Evitava ficar fitando a recepção através do vidro, pois gerava a impressão de ser um animal enjaulado, almejando a liberdade. Isso acabava em trazer uma ansiedade tão intensa, que eu costumava ter crises violentas durante a noite, fazendo com que minha saúde esvaísse pelo ralo. Já bastava ter passado o trauma que me trouxe até o internamento, no fundo eu não desejava piorar a minha situação. Saí do estado contemplativo e me dirigi lentamente ao banheiro para um banho quente; logo seria servido o jantar. No caminho, meus olhos focaram no pequeno escaninho preso ao lado da minha cama, com uma prancheta transparente e um papel sobressalente, onde ao final, conseguia-se ler em letras maiúsculas: TRANSTORNO DEPRESSIVO PERSISTENTE (AVALIAR), TRANSTORNO CICLOTÍMICO (AVALIAR), TRANSTORNO DE ANSIEDADE, IDEAÇÃO SUICIDA E HISTÓRICO DE TENTATIVA.
Num suspiro, lembrei dos últimos dois anos. Difíceis, arrastados, cheios de incontáveis crises e que agora, parecem um grande emaranhado em minha cabeça. Se eu precisasse descrever uma retrospectiva, não conseguiria fazer de forma coesa e linear; pois tudo se tornava uma grande bagunça, pontuada de crises ruins que quase me hospitalizaram, até esta última. Imagino agora como devo ter dado um baita trabalho para os meus familiares e amigos durante esse período e, como hoje devo estar dando trabalho para Max e os outros da equipe médica responsável por mim. Fechei os olhos e apertei, numa tentativa em esforço físico para afastar as lembranças confusas e a culpa do momento, antes de abri-los novamente e chegar à porta do banheiro, ligando a luz.
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Metanoia
Mystery / Thrillermetanoia /ói/ substantivo feminino 1.mudança essencial de pensamento ou de caráter. 2. transformação espiritual. 3. arrependimento por falta cometida; penitência. Felix vive uma vida dupla: uma padrão, vivendo de aparências e outra onde combate cert...