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Os primeiros raios da manhã queimavam meu rosto.
Uma pequena fresta, fazendo a cortina improvisada teimar com o vento que soprava, mediu o caminho até minha testa e passou direto pela camada de cabelo bagunçado. Tinha dormido de um jeito muito torto para não acordar sentindo dores no corpo todo. Comprimi os olhos numa expressão de dor e insatisfação, também trancando a mandíbula, antes de começar a me levantar; precisava esticar os membros enrijecidos o quanto pudesse, para espantar a sensação de câimbra. Olhei ao redor do pequeno quarto/cozinha, recapitulando se precisava organizar algo.
Minha cama de casal ficava num canto, em frente à janela. Logo ao lado, uma cômoda larga de madeira com cinco gavetas, adornada de pequenos utensílios do dia-a-dia acima, separava a cama da porta do minúsculo apartamento. Na parede ao lado direito, meu violão desgastado descansava num gancho que o deixava suspenso, acompanhado em sequência de uma arara com algumas camisetas e jaquetas. Um pouco depois, a mesa retrátil mantinha meu notebook fechado com uma mochila jogada ao lado. De 32 polegadas, a televisão presa à parede logo acima da mesa finalizava a escassa decoração do espaço, antes da janela. O que havia de diferente, estava na última parede, que de súbito retraía-se com uma pia e um fogão, formando a simples cozinha. A única porta dentro do espaço, basicamente um grande quadrado, levava a um apertado banheiro.
Agora já em pé, a dor em meu corpo parecia mais latente, como se tivesse entrado numa briga de bar. Meus ombros comprimidos reclamaram quando os estiquei com as mãos entrelaçadas acima da cabeça, assim como minhas coxas ao contrair todos os músculos das pernas. Bocejei e, ao dar um primeiro passo à frente, quase pisei no cinzeiro coberto de bitucas de cigarro barato, o único objeto fora do lugar. Mesmo não tendo deslocado, a noite tinha sido regada a lembranças difíceis e bebida, uma combinação desastrosa para uma pessoa de histórico complicado feito eu. Toquei a testa de leve com dois dedos e suspirei pesadamente, como quem desejava afastar de si um manto de preocupações e uma possível dor de cabeça logo cedo.
Por sorte ou extrema disciplina, mesmo bebendo uma garrafa inteira de vinho na noite anterior, não havia bagunça alguma no espaço. Um apartamento pequeno e simples para um homem muito complicado, pensei. Apesar de minúsculo, não causava um efeito claustrofóbico, e sim aconchegante. Mudei-me para este espaço por ter conseguido emprego no mais famoso hospital da cidade, a duas quadras daqui, possibilitando que eu economizasse um bom montante de dinheiro com deslocamento. Às vezes, sendo gastos em bebidas para aliviar certas angústias durante uma madrugada inteira, com a intenção de apagar, além de obviamente falhar com a ressaca da manhã seguinte e gerar um looping de pensamentos e culpa.
Coçando as costas num gesto preguiçoso, rastejei até o chuveiro jogando a samba canção num cesto de roupas ao lado e já pulando de cabeça debaixo da água fria. Precisava despertar, pois seria um dia complicado, onde eu iria arriscar mudar de área no famoso Mederi.
Atuava como enfermeiro da ala de cardiologia e queria estar presente no que mais me interessava: psiquiatria. Estudava de forma autodidata já a alguns anos e precisava aproveitar a oportunidade de fazer parte da equipe de colaboradores deste grande e famoso hospital do estado. Talvez fosse o meu salto para uma segunda graduação, dentro de uma área pela qual eu sou completamente apaixonado e pela qual fui orientado por toda uma vida. Os eventos marcantes dos meus 23 anos eram sempre definidos por uma correlação direta com algo do tipo: crescer tendo pais com histórico de ansiedade, avós com histórico de depressão.
Pedir uma transferência era uma missão difícil no Mederi, por conta de algumas rígidas regras e protocolos que existiam, coisa que me deixava apreensivo. Tudo isso para controlar as grandes turmas de estudantes residentes, animados por estarem no auge do exercício da profissão. Eu também sabia no que estava me envolvendo, ao ir de encontro com o meu maior medo; poderia encontrar Dux e acabar no local dos meus sonhos outra vez. Rezava constantemente que não.
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Metanoia
Mystery / Thrillermetanoia /ói/ substantivo feminino 1.mudança essencial de pensamento ou de caráter. 2. transformação espiritual. 3. arrependimento por falta cometida; penitência. Felix vive uma vida dupla: uma padrão, vivendo de aparências e outra onde combate cert...