A voz do matagal
— Vem ser a minha semana.
Meu fim de semana e o meu feriado!! — o som estava alto e todos cantando a plenos pulmões. — Meu remédio controlado!Vários gravando vídeos e eu no meio da bagunça, ensinando algumas coreografias, copo de vodka na mão, blusa rosa com manga um pouco comprida, saia preta, um pouco rodada e saltos combinando. Cabelos soltos, movendo-se ao som da batida do paredão.
— E ela tá movimentando! — parecia coisa de filme, todos sabiam os passos, estava tranquilo até Paulo pegar meu braço e me tirar da rodinha.
— O que foi? — fecho a cara, emburrada, cruzando os braços, por ter interrompido em um ótimo momento.
— São duas horas da manhã, sou um dos poucos que não bebeu. — tira o copo da minha mão e joga o conteúdo em um arbusto. — Vamos, vou te dar carona.
— Depois eu vou. — coloco a mão na boca para impedir a ânsia de vômito. — Tá cedo.
— Se não for agora, como vai depois? — aponta para a saída da festa.
— A pé. — passa suas mãos pelo cabelo, sua expressão que antes transmitia leveza, agora é de raiva.
— A pé? Tá doida? Bebeu merda menina?
— Não fala assim comigo! — bato o pé.
— Falo! Mimada a ponto de achar que pode se virar sozinha. Sabendo da lenda que ronda esse lugar às três da manhã.
— Não vou! — saio andando.
— Se o pior acontecer, nem me espere em seu funeral.
Não lhe dou ouvidos, voltando para curtir mais um pouco antes de ir embora.
Uma hora depois…
Maldita! Maldita seja a hora em que quis bancar a corajosa!!!
Deveria ter aceitado a carona do Paulo, para voltar naquele momento, já estaria em casa, tranquila e sem esse medo constante, ou ouvido os conselhos do Julio para não ir, enquanto me maquiava, pois um mal pressentimento passou pelo seu coração, falou que algo muito ruim poderia acontecer e eu só ri da cara dele, como se fosse uma piada legal, ter ficado com a Daniella e Helena para assistir desenho, maratonar séries, mas não, a teimosa quis ir na festa e são exatamente três da manhã, bebi um pouco além do que devia, nenhum carro aceitou a corrida, por causa do trajeto, então a corajosa decidiu retornar sozinha. Teria prova em dupla nessa tarde, eu e a sorte, porque mal estudei.
Tirei a sandália de salto, porque vai ser uma longa caminhada e não pretendo machucar meus pés. Devia ter posto uma calça.
Não sei se por paranóia minha devido ao álcool ou a realidade, porém ouço passos atrás de mim, tentando manter o ritmo igualado, não tem para onde correr, atravessando um matagal para cortar caminho, porém é o lugar ideal para esconder um corpo.
O meu corpo, caso aconteça o pior. Aqui não tem sinal, ninguém a quem pedir ajuda, o mato alto tem diferentes formas, alguns parecem mãos tenebrosas, começo a acelerar o passo e os passos atrás de mim aceleram também.
E se estiver armado? Mas e se só estiver seguindo o mesmo caminho e também estiver aterrorizado assim como eu? Então desacelero um pouco e olho para trás, esse foi um dos piores, se não o pior erro que já cometi na vida.
O que estava andando, era uma figura alta, aproximadamente 1,80, se comparados aos meus 1,54, máscara de palhaço, como no livro It: A coisa, em suas mãos segurava um facão, corpo todo coberto.
Foi só ele dar o primeiro passo e começar a rir, que disparei como se minha vida dependesse disso e literalmente, dependia.
Seguir em frente significaria não ter descanso e apostar no meu condicionamento físico que não está na sua melhor forma devido às bebidas, é apostar minha vida na sorte e pedir ajuda aos céus.
Sem pensar direito, adentro no meio do mato, acelerando cada vez mais e para meu desespero, escuto uma voz modificada.
— Vai ser rápido, vem comigo .
Escorrego, usando as mãos como apoio para não machucar o rosto, ficando com as pernas todas sujas, ele está muito próximo, um cheiro horrível chega às minhas narinas, algo parecido com enxofre, me dando ânsia de vômito, o toque gélido é sentido em meu ombro, fazendo com que o coração errou uma batida, o corpo treme por causa da mudança brusca de temperatura.
Prende meu pescoço em um mata leão, enquanto a faca está rente ao pescoço e penso que vai ser a última vez que irei respirar.
— Maninha, amanhã vamos brincar? — Lu questionou enquanto segurava seu ursinho.
— Sim minha princesinha. — sorriu terminando de passar o batom.
E ali, enquanto ele quase acaba com minha vida, decido lutar, dando uma cabeçada por trás, sinto o aperto aliviar e mesmo com as pernas tremendo, retorno a corrida pela vida.
Ter que prestar atenção em diversos buracos cavados por cachorros, enquanto sofro perseguição é insano, sinto que terei uma parada cardíaca a cada segundo que ele acelera.
— Fugiu por quê? Não vai doer.
Queria tanto que fosse um pesadelo, que fosse a mocinha que nesse momento é resgatada por um vilão, a família estivesse procurando, mas todos acham que estou bem e não estou, quero viver.
Algumas árvores aparecem a alguns metros, talvez sejam minha salvação, lágrimas que escorrem dificultam a visão, que não é das melhores, o matagal só aumenta, sua voz se aproxima quando uma mão agarra meu braço e puxa-me para trás. O grito é bloqueado por uma enorme mão, abaixar-me para nos camuflar no meio do mato, sua respiração em meu pescoço, a sensação de ser morta por um palhaço assassino ou ser estuprada por um completo estranho, entre elas escolheria levar um tiro.
O tempo passa e não escuto mais nenhum passo próximo, indicando que ele possivelmente foi embora.
— Vou tirar a mão, se gritar, ele pode voltar e nós dois seremos mortos. Ouviu? — sussurra próximo a minha orelha. Confirmo e sua mão sai.
— Vem comigo. — O medo é uma das piores sensações, mas não me restava muita escolha.
Segui esse cara, devagar, até sair do lugar, a todo momento olhava para trás, com medo dele retornar, chegamos a avenida principal e esse homem não tocou mais em mim.
Permaneceu do meu lado até ligar para Paulo e quando ele chegou e contei o ocorrido, descrevendo o cara, soube que ele tinha sido morto no matagal a sete anos atrás.
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Recanto das loucuras
Short StoryContos de diversos gêneros, em cada um, um novo esforço e quem sabe uma loucura nova. Afinal quem alega ser normal, na maioria das vezes é louco. Esse livro faz parte de um reality do wattpad e será atualizado toda sexta feira.