Há dois anos vivo um tormento que parece não ter fim. Eu gostaria de não lembrar o que vivi todos os dias da minha vida, deixar isso no passado, mas não consigo.
Eu fico voltando no tempo, perguntando o porquê de Deus ter permitido que isso acontecesse; ou melhor, porquê eu permiti que isso acontecesse comigo.
Você lembra de quando nos conhecemos? Foi em 2013, você era meu primeiro namorado, o sonho que realizei, tínhamos apenas 14 anos, mas jurávamos que iríamos ficar juntos o resto das nossas vidas. Por alguns anos, muita gente duvidou disso: "é um amor adolescente", "logo passa". Mas, conforme os anos passavam a opinião popular mudou: "isso que é amor de verdade", "tanto tempo juntos, cresceram juntos, vai dar casamento."
Eu queria acreditar nessas pessoas, me convenci disso, por muito tempo acreditei que, realmente, era um amor lindo.
Mas, eu e você sabemos que a realidade não foi bem essa, né?
Se me perguntar se eu errei, eu errei. Errei muito, errei feio.
Mesmo com os meus erros e os seus erros, eu dependia emocionalmente de você. Acreditava que se te perdesse não teria mais nada e minha vida chegaria ao fim.
Eu não te amava, era obcecada por você.
Quando você errava, eu ficava magoada, estraçalhada por dentro, em seguida me convencia de que eu merecia aquilo.
Não começou com tapas, nem puxões de cabelo, você ditava o jeito que eu deveria me vestir. Os tempos eram outros, hoje acredito que, felizmente, a maioria das garotas da idade que eu tinha jamais aceitaria isso. Eu, na época, achava justo. Você sentia ciúmes de mim e eu te devia respeito.
Você não gostava de sair, então eu não saía sem você. Foi assim que perdi a melhor época da minha vida, e isso nunca, nunca vai voltar, eu jamais vou recuperar o tempo perdido.
Aos poucos, fui ficando antissocial e eu que amava fazer amizades, estava ficando sem amigos, porque você sempre achava um motivo pra eu desfazer minhas amizades.
Quando você me bateu a primeira vez, você ainda morava aqui, na mesma cidade que eu, me colocou para dormir no chão, estava frio. Estávamos juntos há apenas seis meses.
Sabe o que acho mais bizarro dessa situação toda? 90% das vezes que você me agrediu, nem eu nem você lembramos o motivo. Eram motivos tão fúteis assim? O pior, eu não consigo me lembrar nem de quantas vezes foram, parei a conta há muitos anos, ou simplesmente virou tão rotineiro que eu sequer ligava mais.
Você lembra de quando me ameaçou com uma faca? Chegou a encostar ela no meu pescoço e o que mais dói sobre isso é que naquele momento eu não estava com medo de morrer, estava com medo de perder você.
Você lembra de quando foi embora da cidade? Nenhuma surra doeu mais que isso, acho que nunca senti uma dor tão grande, nem antes, nem depois.
Eu me convenci de que poderia ser forte, mas logo em seguida vieram as provocações psicológicas e as "traições", coloquei entre aspas porque, segundo você, trocar mensagens mal intencionadas com uma garota, dando em cima dela, não foi traição. Você sabia onde era meu calo e adorava apertar ele.
Você lembra de quando começou a me ignorar toda vez que eu viajava nove de ônibus pra te ver? Você passava dia e noite jogando com seus amigos. Um dia, gritei com você farta daquilo e, pela primeira vez, senti medo do que iria acontecer, saí correndo pra tentar me esconder, eu senti muito, muito medo, eu estava apavorada, você reagiu com vários socos nas minhas costas e pra finalizar, um chute. Como todas as outras vezes, me encostei no cantinho da parede gelada, me abracei, e ali adormeci. Com dor, chorando, apenas comigo mesma pra me consolar.
Você lembra de quando me bateu porque eu descobri que você estava conversando com várias meninas no Tinder? Acho que essa foi uma das vezes mais injustas de todas. Eu estava feliz, naquele dia estávamos nos divertindo em um evento cosplayer e eu jurava que estava tudo bem. Você disse "para você está tudo bem, para mim não". Eu não sei como essa obsessão foi tão grande, olhando pra este momento, meu "eu" de agora, teria feito as malas naquele momento e você jamais ouviria falar de mim de novo.
Eu preciso falar das tantas vezes que você colocou um travesseiro na minha cara e apertou? Todas as vezes eu sentia o restante do ar queimar meus pulmões e parava de lutar. Todas as vezes eu aceitei que iria morrer naquele momento.
Você lembra de quando me ergueu pelo pescoço e sua mãe estava perto? Ela viu, apenas falou algo porque eu chamei a atenção dela. Ou de quando seu próprio avô alertou que "um dia você vai matar ela"? Eu adoro esses momentos, porque provam que todos sabiam. Eles seriam muito inocentes se achassem que foi apenas nessas ocasiões.
Você lembra de quando me pediu em casamento? Eu achava que era a pessoa mais realizada do mundo, estava vivendo um romance digno de filme. Alguns meses depois, você mesmo disse que não queria, mas seus pais te pressionaram a fazer isso, afinal, como você dizia, eu era um demônio na sua vida.
Eu não sei como nem porquê, um dia, essa obsessão começou a passar. Eu já não queria mais viver apanhando.
Foi então que aconteceu o fatídico dia: você ergueu a mão pra me bater por causa de uma chapinha. A porcaria de uma chapinha. A obsessão já tinha ido embora, restava apenas fagulhas de consideração por tudo que vivemos. Nesse dia, as fagulhas morreram.
Este ano, era 2019, eu já não te amava mais e toda vez que você me beijava eu lembrava de socos, chutes e do ar faltando. Para você, estava tudo bem, para mim não.
Compramos um apartamento, erro meu, que empurrava com a barriga uma decisão que mudaria completamente minha vida.
Meses depois, conheci uma pessoa. Te deixei. E foi assim, pra mim nunca foi tão simples te deixar, eu só não contava que essas memórias me assombrariam o resto da minha vida. Eu não queria isso.
Vocês me acusaram de ter traído, disseram que eu mentia sobre você ter me batido pra justificar minha traição.
Entenda, eu queria que fosse mentira tudo isso. Meu Deus! Era tudo que eu mais queria. Queria ser uma vaca que te deixou sem motivo nenhum, que terminou pelo celular, não porque tinha medo de você, mas sim porque era mau caráter. EU QUERIA! Mas a realidade não pode ser mudada, infelizmente.
Você quer saber a verdade? Sim, eu te traí com essa pessoa, E FOI A MELHOR COISA QUE EU FIZ NA VIDA! Eu me senti amada, eu vi que poderia ser feliz, que existia mais do que você. MEU DEUS, EXISTIA VIDA APÓS VOCÊ!!!
Eu te traí, e você mereceu.
Essa é a verdade: você me espancava, tentava me matar, eu conheci uma pessoa, fiquei UMA vez com ela e te deixei.
Agora, eu sei que você convenceu sua família, seus amigos, que você não era um monstro, que eu menti pra todo mundo e era uma vagabunda que não merecia nada, merecia "me foder muito na vida". E todos, conhecendo a boa pessoa que você "é", acreditaram. Mas a mim você não engana, ninguém que se pareça com você vai pisar na minha vida de novo.
Você vai enganar a todos, mas a mim não, eu sei o que você fez.
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EU SEI O QUE VOCÊ FEZ [one shot]
Non-FictionEu faria tudo por você, mataria e morreria. Talvez esse tenha sido meu maior erro. Durante quase sete anos vivi em um relacionamento abusivo, e quando falo isso, não imagine que falo sobre brigas do dia-a-dia. Fui espancada, humilhada e até hoje iss...