Capítulo II

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 Ficou por um tempo trancado no banheiro dos monitores, tentando recuperar a sanidade. Tentou se convencer de que a noite anterior fora um pesadelo, mas tudo era real demais, era físico! Ao mesmo tempo, não conseguia encontrar qualquer lógica para estar vivendo o mesmo dia duas vezes, literalmente falando, mas o que de fato o assustava eram as consequências da transformação para aquela noite. E se matasse Regulus, de novo?

Tentou apegar-se à ideia desesperada de que o destino estava lhe dando outra chance. Era sacana, porque Remus nunca teve controle sobre a besta, mas talvez fizesse sentido, porque ficar horas trancado no banheiro não estava na rota do dia anterior. Poderia fazer tudo diferente, quem sabe. Livrar-se definitivamente daquele pesadelo.

Quando apareceu no último tempo da manhã, a professora McGonagall lhe olhou de cara feia. Um alívio, era outro diferencial do dia. Mas, tão logo, ao final da classe, estava lhe dando feliz aniversário com o mesmo sorriso contido nos lábios. E então, todas aquelas pessoas o cumprimentavam, parabenizavam, perguntavam sobre possíveis festas, como se seguisse um script maldito. No almoço, purê de batatas e carne vermelha. Não comeu absolutamente nada daquela vez, sentindo a barriga roncar, mas precisava burlar o dia.

— Você tá bem, cara? — Sirius perguntava na mesa do Salão Principal, enquanto observava a visível palidez do amigo.

Em resposta, ele apenas concordou uma vez com a cabeça.

— Você ignorou um bolo de aniversário, Rems — Peter balançava a cabeça negativamente — Não era lá grandes coisas, mas que tipo de pessoa ignora um bolo de aniversário? Você nem ligou pra surpresa, cara.

— Desculpa, eu... — respirou fundo uma vez, tentando explicar de alguma forma — Acho que eu tô enlouquecendo. Eu tive o pesadelo mais bizarro da história dos pesadelos e acho que tô... meio abalado.

— Com o que sonhou? — Ouvia James perguntar.

Rapidamente olhando para Sirius, sentiu um nó se fechar em sua garganta. Havia matado o irmão mais novo de seu melhor amigo e, por mais que a desculpa do pesadelo houvesse caído bem naquele contexto, ele sabia da verdade: não era um sonho. Ao menos, não parecia com um. Remus havia realmente matado Regulus e pensar nisso, lembrar disso, somente o deixava ainda mais à beira do precipício.

Mas de toda forma, tentava esconder. E os risos amarelos davam a deixa para os amigos planejarem uma grande festa pós lua cheia, "a melhor festa de dezesseis anos de todos os tempos"! E, mesmo quando os planos eram não repetir os passos do dia, fugiu ainda assim de Lily e Marlene, porque não achava que aguentaria forçar mais um sorriso quando parabenizado por alguém. E fugiu da aula de História da Magia, porque era tão silenciosamente tediosa que, se continuasse, temia que os demais alunos em sala de aula pudessem ouvir os seus pensamentos, de tão altos que ecoavam em sua cabeça. Como esperado, os amigos o seguiram, mas não os deteve desta vez. Enquanto a cabeça trabalhava a milhão, os garotos tentavam acompanhar os seus passos largos, quase correndo.

— Vai com calma, ainda nem anoiteceu Remus... — Sirius argumentou, mesmo quando Remus não havia dito nada.

Mordeu a língua. Poderia prever aquela discussão, ou melhor, lembrar-se. E ainda assim, Sirius prosseguia com o roteiro.

— Se é uma tentativa de nos deixar para trás, não vai acontecer. É a porra do seu aniversário e ninguém aqui vai te deixar sozinho hoje.

— Sirius, pelo amor que você tem a sua vida: cala a boca! — Tentou dizer em seu tom mais calmo e, no lugar dele, foi James quem falou na sequência.

Claro, nenhum de nós é animago ainda e você pode nos matar, sabemos. Mas vamos aos fatos...

Quando os amigos haviam se tornado tão previsíveis?

— Ainda é dia. É o seu aniversário. Somos os seus melhores amigos.

— Ainda é dia. É o seu aniversário. Somos os seus melhores amigos — repetia, junto dele, o discurso, com entonação entediada. E ainda continuava — E até que os primeiros raios de lua apareçam...

— Mas que porra, Remus! — James interrompia, fazendo enfim Remus parar.

— Eu já sei disso tudo! Eu já vivi todo esse dia antes e ele não vai acabar bem! — Explodia, enfim.

Silêncio.

E quando os três se entreolharam, Remus soube que eles não haviam entendido nada. O que Peter disse na sequência, com os olhos baixos e compreensivos, somente confirmou:

— Eu sei que nenhum de nós vai entender, de fato, o que é pra você a lua cheia, Remus, mas...

Parou de prestar atenção, voltando a caminhar para a Casa dos Gritos, irritado. E lá dentro não havia mais santuário e calmaria. Remus andava de um lado para o outro, apertando os dedos das mãos até que estalassem, um a um. Somente parou quando Sirius entrou na sua frente, porque ele ou qualquer outro claramente não estavam entendendo porque, especificamente naquela lua, Aluado agia daquela forma. E, nesse momento, Remus teve a ideia:

— Eu preciso que vocês me amarrem.

Era o que o pai costumava fazer quando estava em casa, em noites como aquelas. O lobo não iria gostar nenhum pouco, estava acostumado com a liberdade da Floresta Proibida, mas era o único jeito.

— Não — James negou prontamente — Dumbledore fez um esquema pra que você ficasse bem nesses períodos sem precisar de cordas, não tem necessidade disso...

— Pontas, se vocês não fizerem isso, nada vai ficar bem! Eu não quero... machucar alguém!

— Seis anos em Hogwarts e você nunca machucou ninguém, Aluado! — Sirius intervinha, também se negando a ajudar.

E olhar para ele o fazia pensar, automaticamente, em Regulus. Como iria lhe explicar, na manhã seguinte, que havia matado o seu irmão mais novo? Como o explicaria agora?

— Six, por favor...

Mas não foi James ou Sirius a lhe darem ouvidos de fato daquela vez. Poderia entender já que os dois amigos achavam que, teoricamente, o lobo preso poderia ser ainda mais feroz do que quando em liberdade. Mas era Peter quem parecia entender toda a agonia daquele momento. Ergueu a varinha e conjurou o incarcerous, encolhendo os ombros em seguida.

— Se ele tá com medo deve ser por algum motivo. Eu não concordo, mas eu acho importante ouvir.

E, mesmo com os braços e pernas amarrados e o sangue circulando com dificuldade pelas veias, Remus não poderia estar mais grato.

Mas a chegada da lua cheia o deixou mais ansioso do que o normal. Estar amarrado fazia parecer muito pior a transformação. Enquanto os ossos se deslocavam, ele mal conseguia se mover para amenizar a dor. Era bom... Daquele jeito iria funcionar. O lobo precisava ficar de quatro e as cordas o prendiam contra a parede e, mesmo quando o corpo pendia para frente, ainda estava imobilizado, então chorou tendo a certeza que o dia seguinte seria melhor. Seria um novo dia. Transformou-se, por fim.

No entanto, o lobo não estava acostumado a amarras. Não mais. Não haviam correntes de ferro em seus tornozelos ou pulsos. Estava imóvel, de fato, mas eram só cordas. Soltou-se em questão de minutos e correu para a Floresta.

Farejou o mesmo Regulus Black a quilômetros de distância, se escondendo detrás do mesmo arbusto. Uivou para a lua e rosnou, avançando desta vez com mais gana e derrubando a sua presa, as patas enormes a segurá-lo, mas desta vez não mordeu diretamente no pescoço. Rasgou-lhe o peito e sentiu o corpo debater-se em agonia instantânea abaixo de si.

Antes de apagar completamente, Remus poderia se lembrar de duas coisas no dia seguinte: dos olhos vidrados de Regulus enquanto perdiam a cor e de que havia mais uma pessoa ali.

Happy death day, moonyOnde histórias criam vida. Descubra agora