- Mas se você me der um carro agora, ele será seu quando eu for pra universidade daqui a dois anos. E estaria quase novo.
Helen estava otimista, mas infelizmente seu pai não era bobo.
- Lennie, não e porque o estado de Massachusetts acha correto adolescentes de dezesseis anos dirijam... - Jerry começou a explicar.
- Quase dezessete - lembrou Helen.
-...que eu tenho que concordar com isso.
Ele ganhava a batalha, mas para Helen a guerra ainda não estava perdida.
- Você sabe que Pig vai aguentar no máximo mais um ou dois anos. - Helen se referia ao jipe Wrangler do pai que devia ser mais velho que o rascunho da bíblia. - Além disso, imagine quanto vamos economizar de combustível se comprarmos um hibrido, ou até mesmo um carro elétrico. E o futuro, pai.
- Uhum - foi tudo o que ele disse.
Agora, sim, ela havia perdido.
Helen Hamilton resmungou baixinho consigo mesma enquanto olhava a paisagem por cima do parapeito da balsa que a levava de volta para Nantucket, prevendo mais um ano de pedaladas até a escola e de caronas no inverno quando nevasse demais. Mas pior ainda era ter que pegar ônibus. Ela sentiu um calafrio, antecipando o sofrimento, e tentou não pensar no assunto. Alguns turistas que aproveitavam o feriado do Dia Do Trabalho a encaravam. Isso não era raro, e Helen sempre tentava ser sutil ao desviar o rosto. Quando se olhava no espelho, tudo o que via era o básico: dois olhos, um nariz, uma boca. Mas era comum pessoas que não eram da ilha ficarem encarando Helen, o que era muito irritante.
Para a sorte de Helen, a maioria dos turistas estavam na balsa durante aquela tarde para apreciar a paisagem, e não seu rosto. Eles estavam tão determinado a desfrutar de um pouco da beleza do cenário antes do final do verão que se sentiam obrigados a aclamar com "Ohs" e "Ahs" cada uma das maravilhas do Oceano Atlântico, Apesar de nada daquilo impressionar Helen. Até então sua experiência dizia que crescer em uma ilhota era mesmo muito chato. Ela mal podia esperar pelo momento de entrar para a universidade e sair daquele lugar, sair de Massachusetts e, se possível, da Costa Leste.
Não que Helen detestasse a vida em sua terra natal. Ela e o pai se davam muito bem. A mãe os abandonou quando era bebe, mas Jerry logo aprendeu como dar a filha a quantidade certa de atenção. Ele não vivia grudado em Helen, mas estava sempre por perto quando ela precisava. Mesmo um pouco chateada com ele por causa da história do carro, Helen sabia que não poderia ter um pai melhor.
Ei, Lannie! Como esta aquela sua alergia? - Gritou uma voz familiar.
Era Claire, que caminhava na direção de Helen. As duas eram melhores amigas desde de pequenas. Com empurrões certeiros, ela tirou do caminho os turistas meio desequilibrados.
Aqueles turistas deslumbrados com o mar desviavam-se de Claire como se ela fosse um zagueiro de futebol americano, e não uma garotinha que mais parecia um gnomo, delicadamente empoleirada no alto de saltos plataformas. Ela deslizou com facilidade por entre o empurra-empurra que criara na multidão e parou perto de Helen, encostada no parapeito.
- Risadinha! Estou vendo que você também fez compras para a volta asa aulas - falou Jerry enquanto puxava Claire e seus pacotes para um abraço.
Claire Aoki, também conhecida como risadinha, era durona. Qualquer um que levasse em consideração apenas sua estrutura de um metro e meio e a delicada fisionomia asiática e que não percebesse o quanto ela era briguenta corria o risco de sofrer na mãos de um adversário altamente subestimado. O apelido Risadinha era sua sina desde bebe. Em defesa de seus familiares e amigos, era impossível não chamá-la assim. Claire tinha, sem dúvida, a melhor risada do universo. Não era estridente nem forçada; era uma risada que faria qualquer pessoas por perto sorrir também.