Macarrão com queijo

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Quando o Sol começou a se pôr, ela já havia arrumado tudo. Ofélia era muito organizada e sempre mantinha tudo no lugar, além de limpar tudo com bastante frequência. Agora ela só precisava decidir o que faria para o jantar. Tinha pouca coisa na cozinha, então ela resolveu fazer um macarrão simples, com os queijos que tinha. Ela gostava bastante de queijo, então era um ingrediente que quase nunca faltava. Pensou que Bento deveria gostar também, já que a maioria das pessoas gosta. Pegou um dos melhores vinhos da adega e separou duas taças. Enfornou as duas últimas fatias da torta, para caso ele quisesse sobremesa. Colocou um belo vestido que sua mãe havia tecido e corou as bochechas com um pigmento de amoras-vermelhas. Estava muito nervosa com a ideia de que um mero desconhecido viria até sua casa, e se arrependeu um pouco de ter feito o convite. Então tomou o resto de um vinho que havia aberto outro dia, deixando a garrafa nova intocada.

Às oito horas da noite, depois de um banho quente, o jovem rapaz vestiu uma roupa formal. Perfumou-se com uma antiga colônia que não usava há muito, catou algumas peônias de seu jardim e se dirigiu à frente da macieira. Levou consigo um lampião de cobre, para encontrar o caminho quando escurecesse mais. Quando chegou lá, ficou muito surpreso: havia um caminho traçado com pétalas brancas que adentrava o mato. Viu também um esquilo, que estranhamente parecia guiá-lo, seguindo sempre o caminho das pétalas. Encantado pela graça que seus olhos testemunhavam, o tempo pareceu nem passar, e o lampião era um mero objeto que não lhe trazia serventia alguma naquele momento, mesmo que mal pudesse enxergar as cores que o rodeavam por causa da escuridão.

Ele chegou então a um cinamomo e sentiu que estava perto. Catou algumas flores de jasmim no caminho, cujo aroma sempre lhe trazia paz. O esquilinho seguiu em direção a uma luz amarelada que, um pouco mais a frente, revelou o pequeno chalé de Ofélia. Pegou um pequeno espelho no bolso e deu uma última olhada no estado do seu cabelo. A jovem, dentro de casa, já sentia sua presença antes de ele ter batido na porta. Guardou o vinho velho num armário e gargarejou um pouco de água e respirou fundo antes de abrir a porta.

– Oi! Boa noite! Que bom que você conseguiu encontrar o caminho! – disse Ofélia.

– Claro que encontrei... Foi uma caminhada muito agradável, com o odor das flores de jasmim e a luz sutil da Lua. E você também está muito linda... – ele arrancou dela um sorriso tímido, e um rosto corado de acanhamento.

– Entre! Você gosta de queijos, não é?! – perguntou, com medo de desagradá-lo com sua janta simplória.

– E alguém não gosta? – ele sorriu, adentrando o chalé.

Ofélia estava encantada com aquele rapaz. Além de bonito, gostava de queijo. Ah, e também sabia fazer pão, e isso era muito relevante. Agora só bastava descobrir se ele tinha a mesma afeição que ela por animais e quais eram seus sonhos e anseios pra saber se ele era realmente tão perfeito como parecia. De algum modo, ela achava que perguntar isso era mais fácil do que simplesmente descobrir se ele gostava de queijo ou não. Depois de jantarem, ele pegou Gerônimo no colo e fez muito carinho. O gatinho só ronronava. Pronto, tinha ali a sua segunda resposta, e sim, aos olhos de Ofélia, ele era perfeito.

E então conversaram a noite inteira, sobre tudo e todas as coisas, ele a contou histórias de sua infância e adolescência, e ela contou sobre sua terra natal e suas aventuras como viajante. Contou até mesmo sobre o outro jovem explorador por quem antes se apaixonara. Ofélia não costumava falar tanto, mas quando bebia – ou simplesmente resolvia falar – falava até demais. Ele admirava sua beleza e sua história de vida que, na sua opinião, superava todas as memórias toscas da juventude que havia compartilhado com ela. Ela se empolgou tanto que havia até mesmo esquecido da torta, e o forno já estava desligado.

– Nossa! Me esqueci completamente, mas deixei duas fatias de torta de amora no forno... Você gostaria de experimentar?

– Com certeza! Até estou sentindo esse cheiro doce e me parece delicioso...

– Certo. – Ofélia abriu o forno desligado e, para sua sorte, as fatias da torta ainda estavam mornas, na temperatura ideal. E nem mesmo haviam queimado. Ela serviu em dois pratinhos de sobremesa e continuaram o papo.

Então o sono começou a bater, principalmente para ela, que havia tomado muito vinho. O Sol não demoraria muito para raiar, e eles decidiram continuar a conversa em outro momento. O ofício de padeiro não o dava descanso, e já era segunda-feira, mas ele relutou o máximo que pôde para não ir embora no meio da conversa, que se desenrolou tão rápido como Gerônimo desenrolava um novelo de lã. Se despediram, e ela foi dormir. Dessa vez, fechou todas as cortinas. Para sua sorte – ou infortúnio – ela não trabalhava, e mesmo em uma segunda-feira poderia descansar até o horário que quisesse. Poderia, mas nunca conseguia.

À tarde, quando acordou, se pôs a ajeitar a casa e lavar os pratos do dia anterior. O dia estava lindo e fresco, não tão quente como outros dias daquele verão. Lembrou-se de colher algumas frutas e comprar algumas coisas na cidade, pois o armário da cozinha estava quase vazio. Serviu um pouco de sardinha para o Gerônimo, tomou um chá de hortelã e resolveu dar uma voltinha pelo lago. Levou consigo algumas moedas no bolso, sua cestinha e um xale, para caso esfriasse ainda mais. Primeiro foi até a cidade, comprar ovos, leite, açúcar e pão. Ficou triste ao chegar na padaria e perceber que Bento não estava lá. Pensou em perguntar para alguém sobre seu paradeiro, mas morria de vergonha.

Voltou ao chalé e largou as coisas em casa, tudo em seu devido lugar. E então saiu de novo com a cestinha e o xale para colher algumas frutas na floresta. Foi à amoreira, às macieiras... E de repente lembrou do limoeiro perto do lago, e como estava com vontade de fazer uma limonada nos últimos dias.  

OféliaWhere stories live. Discover now