Capítulo Um.
"Frio. Eu estou com muito frio!"
Natanael tentou se recompor na cama, buscando se encolher, juntando seus joelhos próximos ao seu peito, encolhendo seus músculos para que assim talvez, o frio passasse. As janelas estavam fechadas, os ventiladores desligados. A coberta era grossa o suficiente para um inverno na Suíça se fosse necessário. Mas mesmo assim, seu corpo tremia. "Estou com febre." O menino buscava por uma explicação lógica para toda a situação. Cerrou os olhos mais uma vez e tentou adormecer. As águas do sono o encontraram alguns minutos depois quando ele se afogou na imensidão densa e escura dos sonhos.
Sonhou que estava correndo em uma rua larga com pinheiros altos e arbustos perfeitamente podados na frente de cada casa. As casas se alternavam, uma verde claro e a que seguia logo azul claro e assim por diante. Seu pulmão queimava conforme corria, porém em seu subconsciente sabia que não podia parar. "Era perigoso parar." Seus pés descalços já estavam cortados pelo asfalto. Cada passo era mais dolorido que o anterior, fazendo que suas solas se rasgassem a cada contato com o chão frio.
Controlou o impulso de olhar para trás, precisava saber do que "exatamente" estava fugindo. Não olhou. Com os pés queimando tanto quanto seu peito. Se jogou atrás de um arbusto e ficou aguardando. O coração palpitava. Ele tinha certeza que poderia ouvir sua pulsação sanguínea à cem metros de distância. Quando se curvou na direção oposta à qual estava correndo, uma sombra vinha em sua direção, tão rápido quanto se estivesse em uma motocicleta. Não teve tempo o suficiente para se levantar do chão e retomar sua fuga.
Mãos brancas, com dedos finos e longos agarraram seu pescoço, tateando seu pomo de adão e o pressionando para dentro. Doía, sentia que o agressor logo esmagaria seu pescoço, tentou erguer a cabeça para ver quem o atacava tão brutalmente. Desejou voltar no tempo. Não queria ter visto o que viu. Antes que pudesse gritar de horror, sua voz sumira. Fora sufocado por uma longa golfada de ar.
Abriu os olhos no quarto escuro. O coração acelerado, denunciando o medo que exalava por seus poros. Recobrou os sentidos, tentando assim, reorganizar seus pensamentos. Se levantou da cama e caminhou em direção À cozinha. Seu quarto era no térreo. De sua irmãzinha e de seus pais no andar de cima. Ele contrariava todos os adolescentes que preferiam o quarto de cima. Nunca gostou de escadas. O quarto do térreo estava ótimo.
Após quase se afogar em dois copos imensos de água, caminhou até o banheiro. Lavou o rosto com à agua gelada. Já não sentia frio. O calor emanava de seu corpo. Se estivesse em um desenho, com toda certeza poderia ver a fumacinha saindo de seu corpo. O banheiro era grande e muito iluminado. Era como entrar em uma sala cirúrgica. Branco e limpo. Cheirando à desinfetante e iodo. Olhou para o espelho e analisou seu rosto por alguns segundos. As maçãs ossudas, a quase não existência de lábios, por serem tão finos. Enormes olhos verdes e cílios proporcionalmente grandes. "Doa, esses cílios para a mamãe!" Era a frase matinal de sua mãe. Ele por sua vez, preferia ouvir um simples bom dia.
Sentiu alguma coisa queimar sua espinha. Como se levasse uma facada bem no meio da coluna vertebral. Se curvou de dor para o chão e logo sentiu um alivio. Levantou e voltou a se olhar no espelho. Continuar se olhando agora era agonizante. Tinha a sensação dentro de seu próprio corpo que estava sendo observado. Como se olhos o esquadrinha-se pelas costas. Balançou a cabeça tentando afugentar os pensamentos. Mas tudo o que conseguiu foi se lembrar do pesadelo que o fizera levantar aquela madrugada. Nesse instante voltou a se sentir cansado, como se tivesse corrido meia maratona. Olhou para suas costas, a procura de algo, mesmo sabendo que não havia nada, pois estava de frente para um espelho, se houvesse algo, ele logo saberia. Saiu do banheiro e caminhou para o seu quarto. Caminhou pelo corredor branco com fotografias da família na parede e logo abriu a grande porta de madeira que dava para o seu quarto. A porta rangeu como sempre, avisando à ele que a casa estava viva e ciente de suas visitas noturnas ao banheiro.