Espiral não constante. A fumaça não segue em linha reta, sobe da forma que lhe convém. Deixa o vento soprá-la, tirá-la do caminho sem reclamações. Segue para cima e parece não saber muito bem para onde vai.
A fumaça me faz lembrar dela.
O quarto fica nebuloso, metade nuvens resultantes da mistura dos químicos, metade nuvens de nicotina. Quase tão nebuloso quanto minha própria mente, mas nem mesmo essa confusão de tóxicos no ar pode competir com o emaranhado de informações se empurrando na minha cabeça.
Eu não durmo tem dois dias e meio, mas tudo bem. Dormir já não me faz sentir descansada há anos. Não preciso ficar horas a fio rolando na cama, engolida pelo vazio que essa terra estranha parece forçar contra mim desde meu primeiro segundo de consciência. Me dê mais uma possibilidade, mais uma coisa que eu possa controlar com meus conhecimentos vazios.
E eu vou dissecar isso até a última gota. Eu vou continuar até que não tenha mais nada a ser descoberto. E então eu vou para o próximo. E o próximo e o próximo, infinitamente. Da forma mais literal possível.
Mortalidade é uma benção que nenhuma de nós jamais terá o privilégio de por as mãos, e isso me aterroriza de uma forma que eu me recuso a deixar ela saber. Enquanto estudo a biomassa repousante de um ser doce que já não está mais nesse plano, procurando uma melhor estrutura genética que aumente a resistência do meu povo, é impossível não me perguntar se esse tipo de sono não é o que eu preciso. O tipo de sono que finalmente me traria o descanso que eu já não posso alcançar na noite, como todos os outros.
Eu não deveria estar aqui, porque ela insistiu tanto para que eu estivesse na platéia do seu show dessa noite. Mas eu nem sequer respondi as suas últimas mensagens.
Ainda me lembro da última vez que me permiti estar misturada na multidão, corpos suados e berros de alegria quando ela sobe no palco. Ainda sou capaz de me perder por um momento no seu canto de sereia, no amor que ela tem no que faz, principalmente quando sei que a letra é pra mim. Mas é inevitável que eu me perca em mim mesma novamente no meio do caminho.
Fórmulas, números e nomes de substâncias flutuam na minha frente, e eu já não consigo vê-la mesmo que eu esteja colada no palco. Sua voz soa longe, como se eu estivesse embaixo d'água. Eu vou dizer a ela que meu reino precisa de mim, que eu já não posso brincar de tiete todas as noites. Eu vou olhar pra ela do mesmo jeito que uma professora cansada olha para o seu aluno mais desinteressado, e isso vai tirá-la do sério.
Mas não é bem essa a razão.
Preciso focar a mente em algo exato e palpável, porque a ideia de passar a eternidade nesse pós guerra, sem chance de sair dele sem ser pelas minhas próprias mãos, está me deixando louca.
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Meus suspiros e gemidos ecoam nas paredes doces ao nosso redor, e eu quase esqueço que nunca vamos ter nosso felizes para sempre.
Ela me sussurra nos ouvidos seus maiores segredos, todas as coisas que ela não deveria sentir por mim.
"Eu sinto tanto a sua falta, Bonnibel."
Eu quero dizer que eu sinto a falta dela também. Que a cada noite que passa esse castelo parece maior, mais vazio e silencioso sem a sua voz. Sem a sua mania irritante de esperar invisível pelos cantos pra poder me assustar. Que as vezes eu fico me coçando de vontade de começar uma briguinha boba com ela, só pra que ela se veja na obrigação de vir resolver na minha cama. Mas não digo nada disso. Nada das outras mil coisas que eu deveria dizer.
Eu continuo com meus sons desconexos até meu corpo colapsar contra o dela. Quando ela me abraça apertado e deixa escapar que ainda me ama, faço de conta que já estou dormindo. Não posso abaixar a guarda.
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Tears & Cigarettes (Oneshot Bubbline)
FanfictionPra começo de conversa, eu não deveria nem ter deixado você se aproximar assim. Não é justo te arrastar para dentro dos meus buracos. E agora é só cruel deixar você pro lado de fora, mas é difícil não trancar as portas. É o que eu sempre faço. Já me...