Capítulo 1

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Eu não me lembro exatamente da primeira vez que a vi

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Eu não me lembro exatamente da primeira vez que a vi. Talvez ela sempre estivera ali, e eu não estava prestando atenção. Agnes é uma dessas pessoas que você vê e já quer ser amiga imediamente. Eu não me recordo do seu sobrenome ou de onde ela vive, mas eu sempre a observo andando pela rua, sorrindo e acenando por onde vai. Seu cabelo levemente ondulado, emoldurando perfeitamente seu lindo rosto, as roupas impecáveis... Simplesmente adorável. Eu gostaria de ter coragem de convidar aquela mulher para conversar, tomar um café ou qualquer outra coisa que me permitisse conhecê-la um pouco mais. Mas eu estava satisfeita só observando-a da minha janela de vez em quando. Era inofensivo e ela nunca me olhou de volta.

-

O céu já estava escuro quando eu acordei, com frio, usando um vestido que já estava bem amassado.  Eu dormi no sofá enquanto assistia televisão, um episódio especial da Lucille Ball que sempre me mantinha acordada. Bom, pelo menos na maioria das noites. A campainha tocou e eu me levantei devagar, um pouco tonta. O espelho na minha parede me mostrou que eu ainda estava usando um avental, mas o vestido estava tão arruinado por baixo que eu decidi mantê-lo para atender a porta.

A adorável Agnes estava do outro lado. Ela sorriu e acenou pra mim com aqueles dedos finos e elegantes. 

- Olá, querida! 

- Oi! - eu respondi. Ela piscou algumas vezes - Posso... te ajudar em algo?

- Ah, por favor! - ela respondeu em sua voz estridente, enquanto entrava. 

Agnes esperou eu fechar a porta pra poder falar. 

- Eu gostaria de saber se você poderia me emprestar algumas coisinhas, sabe, para o jantar? A minha amiga está organizando uma ocasião de última hora e todas as lojas estão fechadas. Eu não tenho tempo pra fazer o que eu normalmente faço nessa situação - ela fez um movimento delicado com as mãos.

Eu me senti vulnerável. Uma coisa era observar essa mulher enquanto ela estava a uma calçada de distância, outra era tê-la bem ali na minha sala de estar.

- Claro, claro! O que você... - ela tirou um pedaço de papel de dentro do decote antes que eu pudesse terminar de falar. 

Essas "coisas" incluíam uma panela consideravelmente grande e vários temperos e ingredientes básicos, o que me fez pensar que a amiga dela tinha acabado de se mudar. Eu peguei tudo que ela precisava enquanto ela me encarava durante o processo. 

- Ah, você é uma boneca! Obrigada, querida! - ela apontou para um dos abacaxis dentro da minha fruteira - você se importaria?

- Não, não mesmo! - eu peguei um e coloquei dentro da bolsa que ela estava carregando.

- Bom, é isso! Eu trago tudo de volta em um piscar de olhos! - ela disse com um meio sorriso, me olhando antes de sair pela porta. 

E ela se foi, me deixando hipnotizada. Ela era tão charmosa que eu não ligaria se ela levasse a casa toda com ela. Eu até daria minha chave.

Tomei um banho e tentei processar o que aconteceu, sentando na minha varanda com uma taça de vinho. Eu perdi a noção do tempo enquanto olhava para... o nada. Nada nunca acontecia naquele lado da cidade, e eu já estava acostumada. Algumas vezes o silêncio pode ser uma benção, mas na maioria das vezes era apenas solitário. 

De repente ouvi passos e me senti um pouco menos sozinha. Agnes estava do outro lado da rua, andando rápido e sem nada nas mãos. Normalmente eu não diria nada. Ficaria quieta, apenas vendo ela passar como eu sempre fiz. Mas isso não era mais uma opção.  

- Como foi? - eu perguntei, olhando pra ela e colocando mais vinho na minha taça, me sentindo incrivelmente corajosa por começar uma conversa. 

Ela parou e apertou os olhos, tentando entender se eu estava realmente falando com ela. Era muito tarde e a maioria dos meus vizinhos estavam dormindo.

- Oi! - ela sorriu, vindo em minha direção, parecendo um pouco surpresa - eu acho que foi tudo bem, sim. 

- Você acha? - eu perguntei, olhando pra ela.

- Sim, foi um jantar... meio privado, se você me entende - a voz dela subiu um tom e eu entendi o que ela quis me dizer.

- Bom pra eles, então! - eu levantei meu copo, imitando um brinde - quer?

Agnes congelou de novo, só por meio segundo. Pelo olhar dela, eu poderia apostar que ela estava decidindo se era uma boa ideia. Então ela se sentou do meu lado, arrumando o vestido. Quando eu estava prestes a levantar pra pegar outro copo, ela se apoiou em uma das minhas pernas e agarrou a garrafa, seus olhos fixados em mim. Eu não tinha ideia de que os olhos dela eram tão azuis assim, vistos de perto. Ela riu da minha reação e bebeu. Nós ficamos ali, bebendo no silêncio e olhando para o nada. 

Era você o tempo todoOnde histórias criam vida. Descubra agora