Capítulo 6

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No minuto em que descemos do carro, Agnes agarrou meu braço e me arrastou para dentro de uma casa

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No minuto em que descemos do carro, Agnes agarrou meu braço e me arrastou para dentro de uma casa. Eu não tive tempo de perguntar nada, parecia que estávamos fugindo de algo ou de alguém. Descemos as escadas pulando alguns degraus, até chegar em um corredor escuro. Eu não conseguia enxergar nada, mas ela sabia exatamente aonde ir, então eu simplesmente a segui. Finalmente nós passamos por uma porta imensa, toda feita de pedra, que ela fechou assim que entramos. 

Eu nunca tinha visto tantos livros juntos. Vários estavam abertos em uma mesa que também era feita de pedra. O cômodo tinha o cheiro de velas, e muitos potes de vidro estavam nas prateleiras das paredes e no chão. A pouca luz que havia lá dentro vinha de tochas acesas, e eu notei várias cortinas penduradas ao redor do lugar, talvez separando aquela sala de outros cômodos. Procurei por Agnes, mas ela não estava mais ao lado da porta. 

- Pode perguntar - ela disse em uma voz muito calma, bem do meu lado. Eu respirei fundo.

- Quando eu não consegui me mexer - eu disse, sem olhar pra ela - Era você? Você fez aquilo?

- Sim. 

- Aquele campo de força, aquela explosão...

- Eu sei tanto quanto você sobre aquilo - ela andou na minha direção - então você não tem ideia de quem eu sou? 

- Eu achei que tinha - eu disse, me sentindo um pouco magoada. 

Quer dizer, alguns dias atrás eu poderia dizer que a conhecia muito bem. De fato, eu achava que poderia estar apaixonada por ela. Pela garota que dançou comigo no chão escorregadio, cantando músicas e me dando asas. 

Mas agora? Eu não sabia.

Ela deu mais alguns passos. Eu fiquei ali esperando, sem dizer uma palavra. A observei enquanto ela chegava cada vez mais perto e fechei meus olhos.

- Eu não vou te machucar - ela sussurrou, agora segurando meu rosto com suas duas mãos frias - mas eu preciso te mostrar...

Tudo ficou roxo por um segundo. 

Quando abri meus olhos, estava sozinha em um lindo campo. Demorou um tempo até eu perceber que aquilo não era um sonho. Eu ouvi alguém gargalhando e segui o som. Duas garotas estavam sentadas embaixo de uma árvore bem alta, rindo muito. Uma delas tinha a pele clara e um cabelo tão dourado que faria o sol ter inveja, perfeitamente trançado. A outra era, como eu imaginei, uma versão mais nova de Agnes. Nenhuma das duas me notou. 

- Lucia, para! - A jovem Agnes disse, suas bochechas ficando vermelhas enquanto ela ria - eu não consigo respirar! 

- Eu juro por Deus, Agatha! - a outra garota, que agora eu sabia que se chamava Lucia, continuou fazendo gestos com a mão.

"Agatha?", eu me perguntei, antes de olhar de novo para as crianças a minha frente.

Elas ficaram em silêncio por um momento, antes que outra memória viesse a tona. Mesmo campo, mesma árvore. Lucia estava segurando uma rosa vermelha, de frente para... Agatha. Ela não tinha nada para retribuir, então com um gesto rápido, um lírio se materializou em suas mãos delicadas. Elas trocaram as flores, sorrindo uma para a outra enquanto andavam lado a lado. 

As garotas desapareceram como mágica, e de repente eu estava em outro lugar. Um quarto, repleto de livros e uma pequena cama de madeira. Agatha estava dormindo, e mesmo sabendo que ela não poderia me ver ou ouvir, eu tentei ser o mais silenciosa possível. Quando ela se levantou, eu a segui. Agora ela estava um pouco mais velha, eu percebi, e a caminho de algum lugar. Nós estávamos dentro de um castelo, várias mulheres passando por nós, todas acenando e carregando todo tipo de coisas peculiares. Andamos bem rápido por um vilarejo e se isso não estivesse acontecendo dentro da minha cabeça, eu não sei se conseguiria acompanhá-la. Eu poderia jurar que ela caminhou por essas ruas muitas vezes. Lá estava a árvore de novo, a única em todo o campo. Lucia estava deitada sob ela, mas em uma posição bem estranha. Seus braços e pernas estavam abertos como se ela tivesse... caído. 

Agatha a chamou, mas ela não se mexeu. Ela tentou de novo, sua voz se quebrando. Eu fiquei bem ali do seu lado quando ela ajoelhou e notou um pequeno rio de sangue que começava atrás da cabeça de Lucia. Suas pernas enfraqueceram e já não sustentavam o peso de seu corpo. O som que saiu de dentro dela foi a coisa mais triste que eu já ouvi. Ela olhou pra cima, tentando lutar contras as lágrimas que estavam caindo. Havia uma linda flor branca no topo daquela árvore, e talvez Lucia estivesse tentando alcançá-la quando tudo aconteceu. 

Agatha correu para o castelo. Ela precisava de ajuda e sabia exatamente onde ir, seu coração batendo freneticamente em meio ao desespero. Ela pensou em entrar naquela sala proibida muitas vezes. Apenas bruxas mais velhas e sábias, como sua mãe, podiam acessar aquela biblioteca. Nenhuma das garotas mais novas tinha autorização, não podiam nem mesmo cruzar a porta. Ela nunca tinha tentado, mas quando suas mãos tocaram a maçaneta, ela simplesmente se abriu. Seus olhos estavam bem atentos quando ela entrou naquele lugar escuro e todas as velas se acenderam. Ela estava procurando por algo, qualquer coisa que trouxesse sua Lucia de volta. Agatha percebeu que um dos livros era diferente dos demais, estava brilhando. Não havia muito tempo para pensar. Ela agarrou aquele exemplar e, ao invés de correr, moveu suas mãos ao seu redor. Simples assim, nós estávamos no campo novamente. Pela última vez.

Ela se sentou e, com muita delicadeza, colocou a cabeça de Lucia no seu colo. Agatha tentou abrir o livro, mas nada aconteceu. Ela tentou novamente, usando mais  força. Nada. Como ela, uma bruxa tão nova e inexperiente, abriria um livro proibido?

Agatha se virou para o rosto de sua amada, encarando aqueles olhos fechados que jamais olhariam novamente para ela. As mãos que ela nunca mais poderia segurar. Algumas gotas começaram a cair do céu, o azul se transformando muito rápido em cinza. Estava chovendo e ela mal tinha percebido. As folhas da árvore começaram a rodopiar e cair, deixando nada além dos galhos secos. Agatha não estava mais triste. Ela estava furiosa. Seus olhos se prenderam ao livro, a única coisa que poderia salvar ambas. Lucia e ela mesma. Ela esticou um de seus dedos e tentou tocá-lo mais uma vez. 

O livro se abriu de imediato, em uma página que tinha algo escrito em grandes letras vermelhas: "Producat eam". "Traga de volta", ela sussurrou. Ela segurou o livro com uma mão, lutando contra toda a ventania a sua volta. Com a outra mão, ela tocou a testa de Lucia, entoando as palavras em uma voz urgente. 

Quando, sem que ela esperasse, uma mulher se aproximou.

- AGATHA! - a mulher gritou - pare com isso imediatamente! 

Agatha continuou entoando, sua voz ficando mais fraca a cada instante, como se ela não conseguisse respirar para dizer mais uma palavra. Logo ela estava cercada por muitas pessoas. Muitas mulheres. Todas encarando-a com olhos furiosos. Todas as mãos se viraram em sua direção e ela segurou a própria garganta com pavor. Ela não conseguia ma falar. 

Ela tentou dizer "por favor" e "mãe", olhando para Lucia com lágrimas nos olhos, mas ela perdeu sua chance. Sem a voz, ela não poderia continuar.  

- É proibido! - uma das mulheres gritou - você sabia que era proibido! 

E então eu vi apenas flashes de memórias. Agatha implorando para ser poupada, lutando enquanto era arrastada para uma fogueira. Prometendo ser boa, apavorada. 

Raios de luz azul se transformando em luz púrpura.

Era você o tempo todoOnde histórias criam vida. Descubra agora