Tia Saeko se sentou de frente para Yamaguchi à mesa de chá.
— Bem, meu querido. Preciso dizer que esta foi uma tarde das mais
surpreendentes.
Yamaguchi não podia negar isso. Ele mergulhou a colher no elixir e ficou
desenhando o número oito na bebida fermentada. O encontro com o Capitão
Tsukishima o tinha deixado com vertigem.
Eu vim para me casar com você, ele disse. E, como resposta, o que Tadashi disse?
Ele o recusou com seu sarcasmo mordaz? Esfrangalhou o sorriso irônico dele
com sua sagacidade? Mandou-o de volta para o pôr do sol jurando nunca mais
incomodar um iinglês incauta em sua casa? Rá. Não, é claro que não. Ele só
ficou parado ali, imóvel como uma pedra e duas vezes mais estúpido, até que sua
tia voltou trazendo o elixir.
Eu vim para me casar com você.
Yamaguchi pôs a culpa na educação que recebeu. Todo ômega filho de cavalheiro era
criado para acreditar que essas palavras — quando faladas por um alpha ou beta
razoavelmente atraente e bem-intencionado — eram sua chave para a
felicidade. Casamento, ele aprendeu ao longo de centenas de chás com outros
jovens Ômegas e mulheres, deveria ser seu desejo, seu objetivo... a verdadeira razão de
sua existência.
Essa lição estava tão arraigada que Yamaguchi chegou mesmo a sentir um
arrepio imbecil de felicidade quando ele declarou sua intenção absurda. Uma
vozinha dentro dele ficava pulando e tentando animá-lo. Você conseguiu! Enfim,
um alpha quer se casar com você.
Sente-se, ele disse à vozinha. E fique quieta.
Tadashi se recusava a definir seu valor como pessoa com base em um pedido de
casamento. Muito menos aquele, que não era um pedido, mas uma ameaça feita
por um homem que não era um cavalheiro, não estava bem-intencionado e era
atraente em uma escala muito mais que razoável.
— Eu nunca sonhei que isso fosse possível. — Tadashi desenhava, sem parar,
círculos com sua colher na tigela. De novo e de novo. — Não posso imaginar
como foi que aconteceu.
— Eu também estou aturdida, é claro. Essa coisa de voltar dos mortos é um
choque e tanto, sem dúvida. Mais que isso, até... — A tia apoiou o queixo no dorso
da mão e olhou pela janela para o pátio. — Dê uma olhada nesse homem.
Yamaguchi seguiu o olhar da tia. O Capitão Tsukishima estava no centro do
gramado dando ordens para o pequeno grupo de soldados sob seu comando. Os
homens tinham trazido seus cavalos para dentro dos muros do castelo para
receberem comida, água e abrigo durante a noite. Eles manifestaram a intenção
de acampar ali depois de cuidar dos animais. Estavam praticamente fixando
residência. Bom Deus. Como foi que aquilo tinha acontecido? Do mesmo modo que sempre aconteceu com tudo, Yamaguchi disse para si mesmo... Por culpa dele.
Yamaguchi tinha cometido um erro anos atrás, do mesmo modo que uma criança
faz uma bola de neve. Começou com uma coisa pequena, controlável, parecendo
inocente. Cabia na palma de sua mão. Então, a bola de neve rolou para longe
dele e caiu na encosta de uma montanha. Dali em diante, tudo fugiu ao seu
controle. As mentiras ganharam corpo e velocidade, ficando cada vez maiores. E
não importava o quanto ele tenha corrido atrás da bola, Yamaguchi nunca conseguiu
alcançá-la.
— E pensar que meu pequeno Yamaguchi, com apenas 16 aninhos, agarrou
aquele espécime glorioso. E eu aqui pensando que você só pegava conchas do
mar. — Tia Saeko brincava com seu bracelete. — Eu sei que você nos contou
muita coisa do seu capitão, mas pensei que estivesse exagerando as qualidades
dele. Agora me parece que você foi humilde, na verdade. Se fosse trinta anos
mais nova, eu iria...
— Tia Saeko, por favor!
— Agora eu entendo por que você não quis se casar com mais ninguém esse
tempo todo. Um alpha como esse estraga todos os outros para um ômega. Eu
sei muito bem como é. Foi o mesmo caso entre mim e o Conde de Montclair. Ah,
reviver a primavera em Versalhes. — Ela olhou de novo para Yamaguchi. — Você
nem tocou no elixir.
Yamaguchi espiou o caldo encaroçado, de cheiro forte, diante dela.
— O aroma dele é... ousado.
— É o de sempre. Leite quente coalhado com cerveja. Um pouco de açúcar,
anis, cravo-da-índia.
— Tem certeza de que é tudo? — Yamaguchi encheu uma colher. — Não tem
ingredientes especiais?
— Ah, sim. Eu acrescentei um copinho do Elixir do Dr. Hargreaves. E uma
pitada de especiarias para limpar a fleuma. — Ela apontou o queixo para a tigela.
— Vamos lá. Seja bonzinho e tome tudo. Ainda temos horas antes do jantar. Eu
disse ao capitão para trazer os homens para comer conosco depois que se
instalarem.
— Nós vamos alimentar todos eles? — Todo mundo sabia que depois que se
alimenta um bando de animais errantes, eles nunca mais vão embora. — A
cozinheira vai pedir demissão.
— São soldados. Eles só querem uma refeição simples. Pão, carne, bolo
salgado. Não precisa ser um jantar refinado. — Tia Saeko ergueu a sobrancelha
grisalha. — Amenos que deseje oferecer um casal de lagostas...
Yamaguchi arregalou os olhos, horrorizado.
— Fluffy e Rex? Como pode sequer sugerir isso?
— O que estou sugerindo, meu querido, é que seu tempo como voyeur de
crustáceos pode estar chegando ao fim.
— Mas eu fui contratado pelo Sr. Kuroo para desenhar uma série de
ilustrações do ciclo de vida da lagosta. O acasalamento é só uma parte. Elas
podem viver durante décadas.
As lagostas eram apenas um dos pequenos projetos que ele estava
desenvolvendo. Com um pouco de sorte — e a ajuda de Lorde Varleigh —, ele esperava receber, em breve, encomendas de trabalhos mais volumosos.
— Você tem que cuidar do seu próprio ciclo de vida — Tia Saeko disse e
colocou as mãos sobre as de Yamaguchi. — Agora que o capitão voltou, você logo se
casará. Isso é, se ainda quiser se casar com ele. Ou você não quer?
Yamaguchi encarou a tia. Era isso. Sua chance de dar um chute rápido de
verdade naquela bola de neve que não parava de crescer. Acabar com ela de
uma vez por todas.
Na verdade, tia Saeko, eu não quero me casar com ele. Sabe, eu não consegui
agarrar aquele maravilhoso espécime masculino. Eu nunca o tinha visto antes de
hoje. Nunca existiu nenhum Capitão Tsukishima na minha vida. Eu contei uma
mentira boba e desesperado para evitar uma Temporada de decepções. Eu
enganei todo mundo durante anos e sinto muito por isso. Estou muito arrependido e
envergonhado.
Yamaguchi mordeu o lábio.
— Tia Saeko, eu...
— Guarde esse pensamento — a tia falou, levantando-se da mesa de chá e
andando na direção do armário de bebidas. — Primeiro eu vou servir um pouco
de conhaque para comemorar. Eu sei que este é o seu dia milagroso, que o seu
namorado voltou para casa. Mas, de certa forma, este triunfo também é meu.
Depois de todas as vezes em que enfrentei seu pai, quando ele queria obrigá-lo a
voltar à sociedade... estou feliz demais por você. E feliz por mim mesma,
também. Estou absolvida. Os últimos dez anos da minha vida agora ganharam
sentido. — Ela voltou para a mesa com o copo de conhaque. — Bem, o que você
queria dizer?
Yamaguchi sentiu uma pontada no coração.
— Você sabe o quanto eu sou grato — Tadashi disse. — E o quanto eu a
adoro.
— Mas é claro que sei. Eu sou fácil de adorar.
— Então espero que você consiga encontrar aí dentro um modo de me
perdoar.
— Perdoar? — A tia riu. — Perdoar o quê, meu Yamaguchi?
A cabeça do ômega começou a latejar, a dor vinha das têmporas. Ele
apertou a colher até suas articulações começarem a doer.
— Por não tomar este elixir. — Ele deu um sorriso tímido para a tia. — Estou
me sentindo melhor. Posso tomar um conhaque também?
Ele não conseguiu confessar. A tia Saeko não era obrigada a sofrer pelos erros
de Yamaguchi. A velhinha querida não tinha sua própria fortuna. Ela dependia do
apoio financeiro do jovem, e este dependia da tia para todo o resto. Dizer a
verdade naquele momento magoaria profundamente os dois.
Aquele embaraço tinha sido criado por ele. Aquele intimidante escocês das
Terras Altas em seu pátio era problema dele. E Yamaguchi soube, naquele momento,
que era ele quem deveria resolver.
Quando Tsukishimasaiu do castelo, seus homens aguardavam ansiosos por
notícias. E a julgar pelo olhar no rosto deles, esperavam que a notícia fosse ruim.
— Então...? — Tanaka perguntou. — Como foi?
— Tão bem quanto se podia esperar — kei respondeu.
Melhor do que o esperado, de certa forma. O alpha pensou que encontraria
Um ômega marcada pela varíola ou com lábio leporino. No mínimo, ele disse a
si mesmo, ele devia ser sem graça. Por que outro motivo um herdeiro
aristocrata sentiria a necessidade de inventar um namorado? Mas Yamaguchi não
parecia ter nenhum problema, e com certeza não era sem graça. Ela era lindo.
Um lindo mentirosinho. Ele ainda não tinha se decidido se isso piorava ou
melhorava as coisas.
— Se é assim — Nishinoya perguntou —, por que você está aqui fora conosco?
— Ele acreditava que eu tinha morrido — ele respondeu. — Nossa volta foi
um choque para ele. Estou lhe dando um tempo para se recuperar.
— Bem, pelo menos ele ainda está aqui — Tanaka disse. — Significa que
você se deu melhor do que eu.
— Ainda não teve notícias de seu ômega, Tanaka? — perguntou Asahi, o
médico de campanha, aproximando-se deles.
— Eu tive notícias — Tanaka disse e deu de ombros. — Meu tio em Glasgow
verificou os registros do navio que zarpou para a Nova Escócia. Não havia
nenhum Chikara Ennoshita na lista de passageiros.
— Mas isso é bom — Asahi disse. — Significa que ele ainda está na Escócia.
O soldado de rosto redondo meneou a cabeça.
— Eu disse que não tinha nenhum Chikara Ennoshita na lista. Mas tinha
Um .Chikara Narita. Essa é a recepção de herói que eu recebo.
O homem mais velho bateu nas costas de Tanaka.
— Sinto muito por saber disso, garoto. Se ele não esperou, é porque não o
merecia.
— Não posso culpá-lo. — Tanaka bateu no peito com o toco do seu antebraço
esquerdo, a mão tinha sido amputada por Asahi no campo de batalha. — Olhe só
para mim. Quem teria esperado por isto?
— Um número — Koganegawa soluçou — muito grande de jovens, tenho certeza.
Tsukishima tirou uma garrafa de uísque de sua bolsa, que abriu e passou para
Tanaka. Palavras de consolo nunca foram seu ponto forte, mas ele estava sempre
pronto para servir a próxima rodada.
Não deveria ter sido daquele modo. Quando o regimento desembarcou em
Dover, no outono passado, eles foram recebidos como heróis vitoriosos em
Londres. Então marcharam para o norte, para casa, nas Terras Altas. E ele
testemunhou a vida e os sonhos de seus homens se desfazerem, um após o outro.
Tanaka não era o único. Os homens reunidos ao redor dele representavam os
últimos de seus soldados dispensados. E também os que estavam em pior
situação: sem teto, feridos, deixados para trás.
Eles lutaram com bravura, sobreviveram ao combate, ganharam a guerra
para a Inglaterra com a promessa de que voltariam para suas famílias e
Ômegas — para descobrir, ao chegarem, que suas famílias, Ômegas e seus
lares não existiam mais. Enxotados das terras que habitaram durante séculos pelos mesmos gananciosos proprietários de terras ingleses que lhes pediram que
lutassem.
E Kei não pôde fazer nada a respeito. Até chegarem ao Castelo de Lannair.
Ali ele recuperaria tudo.
O homenzarrão mais afastado do grupo estremeceu.
— O que é isto, afinal? Que lugar é este?
— Calma, Aone — Tsukishima pediu.
Aone era o caso mais triste de todos. Um morteiro caiu perto demais dele em
Quatre Bras, arremessando aquele homem gigantesco a 6 metros de distância.
Ele sobreviveu aos ferimentos, mas não conseguia guardar nada na memória por
mais do que uma hora. Ele se lembrava de toda sua vida até aquela batalha. Mas
qualquer novidade lhe escapava como areia entre os dedos.
— Estamos no Castelo de Lannair — Asahi explicou. O médico grisalho
tinha mais paciência que todos os outros juntos. — A guerra acabou. Voltamos
para casa, na Escócia.
— Voltamos? Que maravilha.
Ninguém teve coragem de contrariá-lo.
— Diga, Capitão, quando nós vamos chegar a Ross-shire? — o homenzarrão
perguntou. — Estou querendo muito ver minha avó e os pequeninos.
Tsukishima concordou.
— Amanhã, se você quiser.
Eles não chegariam nem perto de Ross-shire no dia seguinte, mas, de
qualquer modo, Aone iria se esquecer da promessa. Tsukishima já não conseguia
mais dizer para Aone que eles estiveram em Ross-shire meses atrás. A avó dele
tinha morrido de velhice e os pequeninos sucumbiram ao tifo. A casinha da
família era um monte de cinzas.
— Amanhã está ótimo — depois de uma pausa, Aone riu consigo mesmo e
acrescentou: — Já contei para vocês aquela do porco, da prostituta e da gaita de
fole?
Os outros homens gemeram. Tsukishima os silenciou com um olhar. Na Corunha,
Aone segurou uma linha inteira de soldados franceses, o que deu ao resto da
companhia tempo suficiente para se retirar em segurança. Ele tinha salvado a
vida dos companheiros. O mínimo que eles poderiam fazer era ouvir aquela
piada obscena mais uma vez.
— Vamos ouvi-la, então — Kei disse. — Eu preciso de uma piada hoje.
A narrativa durou algum tempo, com todas as interrupções, os reinícios e as
pausas que Aone fazia para organizar os pensamentos. Quando ele chegou ao
fim, todos os homens se juntaram a ele com uma voz entediada:
— Guinche mais alto, moça. Guinche mais alto.
Aone riu com gosto e deu um tapa nas costas de Tsukishima.
— Essa é boa, não é? Não vejo a hora de contar essa lá em casa.
Casa. O lugar onde estavam era o mais perto de uma casa que Aone
chegaria.
Logan levantou a voz.
— Deem uma olhada nesse vale, rapazes. Comecem a escolher um lugar
para suas casas.
Eles nunca vão nos deixar ficar aqui — Nishinoya disse. — Você é tonto? Faz
mais de oito anos desde que se despediu dele. Esta terra está em mãos inglesas,
agora. Seu ômega tem um pai ou irmão em algum lugar, e eles vão aparecer
aqui para nos expulsar e logo estaremos no próximo navio para a Austrália.
Tanaka se remexeu.
— É melhor nós esperarmos para ter certeza de que ele vai casar com você,
Capitão.
Logan endireitou os ombros.
— Vocês não precisam se preocupar com isso. Vou garantir o casamento.
Esta noite.Notas
Oi pessoal, tudo bom com vocês?
Então, de uns tempos para cá, eu venho tendo episódios de ansiedade e depressão. Isso tem tirado toda a minha vontade de escrever, estudar e até mesmo continuar em frente. Eu quero tanto terminar essa história, mas ao mesmo tempo, eu sinto um vazio, um vago tão profundo dentro de mim que está sugando tudo o que ainda resta de bom em mim, para bem longe.
Perdoem-me por ter feito vocês esperarem tanto.
Com amor, Ana.
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O noivo do Capitão
RomanceYamaguchi possui muitas habilidades preciosas: é um excelente desenhista, escreve cartas como ninguém e tem uma criatividade fora do comum. Mas se tem algo em que ele nunca consegue obter sucesso, por mais que tente, é em se sentir confortável quand...