- Ablysh, espere.
A urgência na voz de Sâmia me fez estancar imediatamente. Olhei nervosa a nossa volta buscando sinais de perigo. Esquadrinhei a rua escura e quase deserta àquela hora da noite. Excetuando alguns clientes que deixavam a taberna, nada parecia representar algum tipo de ameaça. Olhei exasperada para ela.
- Me desculpe Aby - disse ela com olhar arrependido por ter usado um tom tão urgente - mas é melhor se cobrir com o manto e o capuz, e lembre-se de manter a cabeça baixa.
Revirei os olhos, mesmo sabendo que o que ela dizia fazia sentido. Ouvi esse conselho durante toda a minha vida. Não sei como não era corcunda de tanto andar com a cabeça baixa. Com um suspiro, peguei o manto que ela me oferecia e o coloquei nas costas, em seguida ergui o capuz sobre minha cabeça.
- Sâmia, onde está Ceyd? Ele não deveria estar aqui nos esperando?
Estreitei os olhos tentando localiza-lo na rua escura. Mas não vi nenhum sinal do irmão de Sâmia. Ela agarrou meu braço me puxando para dentro da taberna enquanto sussurrava:
- Deixe que eu fale com ele. Voce sabe que eu tenho jeito com as palavras e poderei convencê-lo a leva-la até as Terras Áridas.
Suspirei diante do comentário. Sâmia era espontânea e falante, mas era também um tanto quanto criativa de mais em suas histórias, o que muitas vezes nos causava problemas. Quando criança ela ameaçava os meninos da rua dizendo que eu era uma bruxa e que os transformaria em lagartos. É claro que isso não ocorria e eu levava sempre a pior. Não era raro chegar em casa com machucados ou esbaforida enquanto fugia das outras crianças.
Entramos na taberna e imediatamente a fumaça e o cheiro de corpos suados invadiu minhas narinas. Sentindo meus olhos arderem, fomos contornando as mesas até chegarmos ao balcão onde um homem passava um pano encardido no móvel de forma distraída. Ele nos olhou e ergueu a sobrancelha em sinal de cumprimento. Era um homem corpulento, com a barba longa e emaranhada. Antes que pudéssemos falar algo, uma moça se aproximou e pediu duas cervejas. Por baixo do capuz pude observa-la. Não tinha mais que dezessete anos, seu vestido já vira dias melhores e seus cabelos estavam presos no alto da cabeça de forma displicente. Mas o que chamava a atenção era o decote profundo, que deixava muito pouco para a imaginação. Relanceei o olhar pelo lugar e percebi que as outras mulheres ali usavam o mesmo modelo, deferindo somente nas cores ou melhor, a falta delas, já que muitos tecidos estavam tão desbotados que em alguns lugares tornaram-se transparentes. Ela pegou as canecas e passou por nós devagar, de repente parou a sussurrou para mim:
- Não tem mais vagas, tente em outra taberna no final da rua.
E saiu gingando os quadris sem esperar resposta.
Sâmia já havia se encostado naquele balcão pegajoso tentando chamar a atenção do taberneiro.
- Estamos procurando um homem.
Mal ela terminou de proferir estas palavras e o homem já abriu um sorriso mostrando uma sequência de dentes podres enquanto percorria nossos corpos com olhar avaliador. Senti meu rosto queimar. Soltei o ar dos pulmões com força. Uma única frase, e ela já estava nos causando problemas. Eu suspeitava que aquele plano não seria uma boa ideia. Sâmia me olhou e voltou a atenção para o taberneiro.
- Senhor...Ahn... Sir? Estamos procurando uma PESSOA, seu nome é Jarink e temos um assunto para tratar com ele.
O taberneiro pousou os cotovelos no balcão e apontou o dedo indicador sujo para um canto do salão. Seguimos até o local indicado não sem antes nos desviarmos de dois homens que vinham em nossa direção e que estavam claramente embriagados. O sujeito estava sentado em uma cadeira, e a havia inclinado de tal forma que sua cabeça estava encostada na parede. Ele usava roupas de couro, e um capuz cobria parte do seu rosto. Seus pés estavam preguiçosamente cruzados em cima da mesa ao lado de uma caneca de cerveja. Percebi algumas adagas em suas botas e uma cimitarra ao lado da cadeira. Ele estava tão quieto que parecia dormir. Sâmia se aproximou e tossiu tentando chamar sua atenção. Ele não se moveu. Eu já estava prestes a agarrar o braço dela e sair dali quando ela resolveu tentar mais uma vez.
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Hiraeth
FantasySinopse Meu único sentimento é Medo. Poderoso, monstruoso e dominador Medo. Mesmo tendo sido preparada para este momento, minha mente se rebela e minhas entranhas se contorcem. Uma missão que eu não quero. Ser a mensageira de todos os povos e a úl...