Há muito tempo, todo o ser que um dia nela habitou estava enclausurado em um coração minúsculo e endurecido.
Ela tinha pais medíocres.
Uma vida medíocre.
Um noivo medíocre.
Ou assim ela pensava.
Desde pequena, força-se para enxergar apenas o interior das pessoas. Tentava apenas ver o melhor nelas, mas de nada adiantava. Ela continuava a ser um ser sem outra emoção que não o ódio dentro de si.
Após o seu casamento, ela acreditou que tudo iria mudar. Ela finalmente conheceria o significado abstrato da palavra felicidade.
Enganou-se.
Odiava seu marido e a vida que ele a proporcionou e era incapaz de amar a própria filha que tanto se parecia com ela.
Foi quando Ele chegou.
Ele foi a única pessoa que ela amou de verdade. A única pessoa que a fez feliz. Ele era como ela. O mundo era insuficiente para satisfazer aos dois.
Mas agora o mundo medíocre não importava. Agora tinham um ao outro.
Foi o que ela pensou.
Enganou-se novamente.
Quando engravidou pela terceira vez pensou que teria mais alguém que amaria. Mais alguém que a compreenderia.
MAIS...
-M-A-I-S- MAS
MAS... Ao segurar sua filha em seus braços, nada sentiu.
Ela aguentou firmemente por mais nove anos. Nove anos só tendo a Ele para compreendê-la. Só tendo a Ele para amar. Ela aguentou firmemente até finalmente não poder mais aguentar.
Por mais que quisesse acreditar, ela sabia: Ele não era o suficiente.
Ela deixou suas duas filhas no quarto delas e deu-lhes um beijo de boa noite enquanto, mais uma vez, mentiu dizendo amá-las.
Não haveria histórias aquela noite. Ela não fingiria dormir mais uma vez para forçá-las a dormir mais rápido e encurtar seu tempo ao lado delas.
Caminhou até o quarto Dele. Era Ele quem importava. Ele fez a vida dela ter sentido por doze anos e talvez fizesse por mais tempo se ela fosse mais forte.
Ela cantou para ele a música favorita de ambos. Até que Ele dormiu como o anjinho que era em sua cama. Ele só poderia ser um anjo. Era belo e amável como um. A fez acreditar na reciprocidade infinita do amor.
Em troca, ela o ensinara que deveria enxergar sempre o interior das pessoas antes de seu exterior. Ele precisava aprender a ser diferente dela. Precisava aprender a amar como ela nunca fora capaz antes de conhecê-lo.
Ela tirou de uma caixinha em que guardava suas joias, o frasco de veneno que comprara de uma bela jovem que todos diziam ser uma bruxa. A jovem prometera que o veneno a mataria rápido, sem que ela sentisse dor.
Virando o frasco de veneno em sua boca, ela deitou-se em sua cama.
O rosto do seu belo anjinho lhe veio imediatamente à mente e uma pontada de remorso invadiu seu coração. Bruxa maldita! Ela havia prometido que não doeria.
O rosto de seu filho encharcado por lágrimas, a voz Dele chamando por ela e seu grito de horror vieram simultaneamente atormentá-la. Ela o faria sofrer. O faria ser tão medíocre quanto ela.
Estava arrependida da decisão. Não podia morrer agora. Precisaria viver para cuidar de seu filho e impedir que Ele fosse como ela.
Tarde demais. Uma forte paralisia tomou conta de suas pernas, impedindo-a de levantar-se da cama. A paralisia estava subindo rápido e logo chegaria aos seus pulmões e ao coração. Ela seria incapaz de respirar antes mesmo que ela chegasse ao seu cérebro.
Tentou gritar para pedir ajuda ao marido, mas este, a pedido dela própria, dormia todas as noites no quarto conjugado. Uma grossa porta de madeira impedia que ele ouvisse seus chiados gorgolejantes de desespero.
A última visão que teve antes da morte foi a do seu anjinho ainda chorando. Ele finalmente resolvera mostrar-lhe as asas alvas e compridas que lhe brotavam das costas. Os seus cabelos louros brilhavam como o mais puro ouro.
Ele segurou a mão dela e alçou voo pelo céu noturno, levando-a consigo. Ela sentiu a brisa da morte soprar em seu rosto. Enquanto a arrastava para o infinito azul, Ele chorava e a gotas de suas lágrimas se misturaram as dela.
Então, depois de muito subirem, Ele finalmente parou no ar, fitou-a com amor e o seu sorriso travesso de sempre traçou-lhe a boca. Seus olhos escuros, profundos e sombrios como as trevas que a noite escondia, brilharam, refletindo a luz da lua enquanto ele soltava as mãos dela, deixando-a cair no fogo do inferno.
E este foi o terrível fim da senhora Laforet.Découvre Moi
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As Sombras Que Se Escondem No Mundo
FantasySegundo livro da série O Mundo Que As Sombra Escondem