Capítulo 1

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Mais uma noite em claro. Não sei até quando irei aguentar de ansiedade. Deitada em minha cama, recuso-me a levantar, observando com desgosto o sol adentrar com ousadia pelas frestas da persiana. Meus olhos estão um pouco doloridos, pois como sempre, passei quase que a madrugada toda olhando o celular. Seis meses atrás não imaginaria que ostentaria a profissão de influencer digital, vejam só! Minha vizinha deu a ideia, e agora faço vídeos na internet. Gravo tutoriais de maquiagem, além de é claro, mostrar um pouco da minha vida. Está sendo muito complicado conciliar faculdade, estágio e essa minha nova profissão. Mas se tem uma coisa que eu amo, é causar!

Espero o relógio do celular dar cinco horas em ponto para criar coragem e começar de vez o meu dia.

Tenho em casa dois tesouros bem guardados: minha mãe e minha filha de dois anos... que no caso é a minha gata Lua. Minha rainha é muito guerreira, criou-me sozinha com a ajuda de meus avós, pois perdi meu pai muito cedo. Ela é baiana e se casou com um coreano, minha gente! Conheceram-se no carnaval de Salvador — ela me contou que fora amor à primeira vista. Pouco tempo depois, eles se casaram e foram morar na Coreia do Sul. E fizeram essa coisa linda aqui!

Infelizmente, meu pai morrera num acidente de carro quando eu tinha apenas quatro anos. Juro que lembro bastante dele. Principalmente dos olhos, que se fechavam de forma graciosa ao sorrir para mim, quando me acordava pela manhã. Das brincadeiras... Ele definitivamente era e sempre será especial na minha vida.

Depois de sua morte, ficamos somente mais dois anos morando por lá. Por vários motivos, resolvemos voltar para o Brasil, e cá estamos até hoje. Minha mãe sofria muito preconceito, por ser negra e estrangeira. Não conseguia manter um emprego por muito tempo. Sobrevivíamos graças à pensão de meu pai, que fora advogado. Minha família paterna fora contra o casamento dos dois, e mal tive contato com eles. Não tinha muito com quem brincar, pois algumas das crianças do parquinho ou da escola constantemente me estranhavam, pois eu destoava de todos ali. Mas muitas pessoas nos trataram super bem, não tenho mágoas. É um país lindo, uma cultura riquíssima, assim como o Brasil. Cada qual com as suas adversidades.

Anos mais tarde, já no Brasil, eu acabei assumindo o que sempre fui. Foi um momento libertador para mim. Mas minha rainha não esperava. E essa bomba lhe caiu no colo bem no meio da minha adolescência, mas ela soube me acolher melhor do que ninguém. Mãe é mãe, concordam? Chegou certa vez a pedir demissão do serviço ao ouvir um desaforo de seu chefe em relação ao seu bebê... Essa história já contei em vídeo, fiz muita gente borrar a maquiagem além de mim, é claro.

Vou até o banheiro e olho esse meu rosto inchado no espelho. Meu nome é Taeyang , mas todo mundo me chama de "koreana", por ter herdado os olhos puxadinhos de meu pai. Por isso, meu nome artístico é "Koreana Black". Não é nada fácil ser negra, oriental e Drag Queen nesse nosso Brasil, talvez em qualquer lugar. Mas eu nasci para quebrar paradigmas, para brilhar. Ninguém tem o direito de apagar o seu brilho, sua vida pertence somente a você. Somos únicos.

Recebo constantemente "haters" em minhas redes sociais, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. Confesso que têm até aumentado, por conta desta terrível pandemia que estamos vivendo. A Covid-19 não só mata como tem feito muitas pessoas orientais serem perseguidas, por pura falta de informação, as chamadas "Fake News".

Confesso que isso tem me feito muito mal ultimamente. Assim que os casos começaram a pipocar por todo o mundo, as pessoas começaram a me atacar mais e mais... Fiz um vídeo em que expliquei essa situação em que estamos vivendo. Por incrível que pareça, estão culpando pessoas inocentes, inventam histórias mirabolantes sobre o surgimento dessa doença. Posicionei-me quanto a isso, e fui duramente atacada. Até que uma certa pessoa apareceu para me defender, fazendo-me acreditar que o mundo não está perdido, apesar de sentir que tudo vai explodir a qualquer momento.

Eu não queria que as pessoas me olhassem e me julgassem pelo que sou externamente. Tenho orgulho da minha cor, pois me lembra da resistência de minha mãe. E também tenho orgulho dos meus traços orientais, que me lembram de meu pai... Por que esse discurso de ódio por um povo que também está sofrendo os efeitos da pandemia?

Escovo os dentes e tomo o meu banho. À medida que me arrumo, vou ganhando força e agilidade como um carro de corrida. Minha mãe detesta essa pressa toda, e talvez ela tenha razão. Minha ansiedade está mais alta do que de costume, mas asseguro que o canal e a pandemia não levam a culpa toda sozinhos.

Tinha outros dois bons motivos. E bem provavelmente, seriam um problemão na minha vida. Calma, que já esclareço as coisas. Primeiro o café da manhã!


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Ai ai

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Ai ai... E aí?

Gostaram de conhecer Koreana? Eu sou suspeita pra falar, mas eu amo ela hehehe

Amanhã tem mais, não esqueçam da ☆!




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