Suas pernas tremiam enquanto cambaleava para a sacada do quarto. Então essa era a sensação, pensou. Esse formigamento que lhe apertava o peito de forma tão devastadora que poderia estar morrendo. De alguma forma estava.
Mas, com certeza não seria a primeira a morrer de amor.
Afastou o pensamento mórbido enquanto atravessava o quarto que ainda continha certa inocência infantil. Uma coleção de bonecas esquecidas e empoeiradas observavam-na caminhar em direção à varanda. Cada passo a deixando mais próxima do amadurecimento que já não se escondia debaixo da cama. O fato de crescer que um dia já a abatera, agora batia-lhe à porta com ternura. Com flores até.
A camisola longa cobria sua pele com um toque refrescante para a noite de verão. Ela gostava de como o cetim se entrelaçava em suas pernas ao caminhar. Gostava da sensação de ter algo fino e leve cobrindo-a como se fosse uma obra de arte a ser revelada.
Deu piruetas pelo caminho e só parou quando tocou as mãos no balcão de mármore que delimitava o seu quarto do resto do mundo. Queria girar, gritar e rir para a paisagem à sua volta, para as estrelas que testemunhavam o que um simples pensamento fazia ao seu corpo. O que pensar nele lhe causava.
Havia música dentro de si. E a dança que acontecia internamente transparecia em suas bochechas coradas, no suor que escorria por sua pele, esfriando o arrepio de excitação. No batimento pulsante de seu peito.
Podia estar louca, provavelmente estava. Mas a felicidade agitava-se dentro de si, como algo prestes a explodir e seria um crime não liberar a imensidão dourada que já não cabia naquele distinto ponto do mundo que era Julieta.
Então pulou. Pulou cada vez mais alto, agitando a alegria em seu corpo. Fazendo-a fluir para fora, permeando o mundo com um pouco mais de magia. E era como se a felicidade fosse densa, esvaziando seu corpo a ponto de fazê-la flutuar, juntando-se às estrelas. Transformando-a em uma.
Um ponto de luz que reluziria na eternidade que uma jovem paixão poderia durar.
Era errado, ela sabia. O mais errado que um erro poderia ser. E, mesmo assim, parecia tão certo quanto saber que o sol apareceria pela manhã.
Ele era o sol.
E ela sempre vivera na sombra.
A ironia do destino era trágica e hilariante. Uma Capuleto apaixonada por um Montecchio. Um ultraje! Como se um gato se apaixonasse por um cachorro, ou um peixe pela própria terra. Eram opostos naturais. Porém, como muitos sabiam, havia certo magnetismo nos contrários. Podiam até ser inimigos em essência, mas nunca por escolha, afinal não opinaram sobre seus nomes e casa antes do nascimento. Não escolheram se apaixonar no momento em que seus olhos se encontraram pela primeira vez. Não tiveram chance contra o sentimento que agora ocupava todos os seus sentidos.
Eram vítimas. E, por mais que não soubesse se ele também se sentia assim, tudo que ela mais ansiava era que fossem iguais na única coisa que realmente importava. Na alma.
Não podia mais ficar calada diante da confusão que apresentava-se em sua mente. Quis gritar para o mundo as suas intenções e, no entanto, não podia. Esse era o segredo de sua vida. O segredo de sua sanidade, e só as estrelas poderiam entendê-la.
Só as estrelas poderiam, da forma mais mágica possível, entregar a valiosa informação para seu amado. De que ela não conseguia comer, dormir ou pensar direito sem saber se o seu desfazer era recíproco.
Então, confessou para suas amigas estelares o que gloriosamente a corroía por dentro.
E, ela não sabia se isso era pura insanidade, ou apenas amor.
Mas, quando a voz de Romeu - aquela voz que mesmo tendo ouvido tão pouco lhe soava tão familiar - a respondeu foi como se todas as suas preces tivessem sido respondidas. Como se os astros tivessem pavimentado seu caminho até ela. Como se aquela fosse a confirmação que ela precisava para que tudo fizesse sentido.
Seu sol particular estava lá. Olhando por ela. Cuidando dela. E provando que haveria um amanhecer. Um que eles poderiam ver juntos.

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Amiga das Estrelas
NouvellesE se a famosa cena da sacada, da obra Romeu e Julieta de Shakespeare, fosse narrada pela visão da Julieta? Nesse conto curto temos uma imersão dos sentimentos dela em relação ao Romeu e uma verdadeira explosão de emoções que só um primeiro amor pode...