Capítulo Seis

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Wei Wuxian sentia que algo estava estranho. Talvez fosse a casa quieta demais, ou a lareira que havia acendido sozinha logo pela manhã e de vez em quando crepitava violentamente. Era noite mas A-Yuan se recusava a ir dormir, ele estava sentado no chão da sala tentando tocar uma lira meio empoeirada, sem sucesso é claro, mas o Wei nunca diria a ele, e apenas o encorajava a prosseguir. 

 Wei Ying se sentiu muito feliz, mais do que se lembrava de um dia ter sido. Porém seu coração ainda pesava, com a mesma preocupação enraizada, por quanto tempo sua felicidade duraria ? Ele tinha a impressão de que todas as coisas boas que aconteciam vinham acompanhadas de outras três ruins, então ele não conseguia se manter tão esperançoso, mesmo tendo sido tranquilizado por sua Shijie antes. 

- A-Yuan, venha aqui- chamou, o menino veio sentando-se em seu colo - O que você acha dessa casa ? 

- Eu gosto - respondeu, balançando os pezinhos - Ela é grande e tem um jardim bonito, e é bom quando você toca o piano. 

- Sabe, antes eu também a achava muito bonita - disse - Mas pense comigo, você se enjoaria se não pudesse sair dela nunca, não é ? 

Não houve resposta, A-Yuan apenas franziu a testa como se tentasse entender onde seu Xian gege queria chegar. 

- A-Yuan, quando você ficar mais velho, vou te dar uma grande casa como essa, vai poder ser muito feliz e ir para onde desejar. O que acha disso ? 

- Mas Xian gege eu sou feliz - proferiu, fazendo o outro o olhar desacreditado - Esse é meu lar também, você e Lan gege são minha família, não quero ir embora. 

Lar ? 

Talvez apenas aquela criança inocente poderia considerar aquele lugar um lar. Ou talvez ele houvesse sido cegado pela solidão por tanto tempo, que não havia percebido, aquela casa nunca tinha sido um lar, era um teto sobre sua cabeça mas apenas isso. No entanto, agora havia uma criança e alguém que ele amava, não havia frio ou tristeza, e mesmo que dias chuvosos fossem melancólicos, o que era comum ali, quando se estava acompanhado, se tornavam agradáveis. 

A-Yuan estava certo, suas palavras foram como uma grande epifania para Wei Ying. Aquele era seu lar, e ele não poderia o tirar daquela criança que nunca havia tido muito. Mesmo quando Lan Zhan se fosse, ele ainda teria A-Yuan, não como substituto, mas como parte do que tornava aquela casa em um lar.

- Oh! Você está certo - proferiu o abraçando - Me desculpe A-Yuan, esse é seu lar, não vou tirá-lo de você. 

O pequeno apenas murmurou em concordância, se aninhando mais em Wei Ying como um bebê coala, não demorando para finalmente cair no sono e ser levado para seu quarto. 

O Wei sentia uma dor no peito. Ele não costumava sentir dores, mas essa estava se tornando frequente. Antes era um pequeno incômodo que logo desaparecia, no entanto, agora era como se seu coração doesse a cada batida, sendo forçado a funcionar. Ele já havia deixado A-Yuan no quarto e Lan Zhan estava lá em cima. Caminhando rápido em direção a escada, a dor se intensificou repentinamente e sua visão quase escura não focava em nada.  

Caindo em seus joelhos, ainda que tentasse gritar sua voz não saia, e seus ouvidos zuniam tão forte que sangue escorria respingando no chão. Inundado pelo desespero, tudo que podia ouvir era o som do piano, tão longe mas ao mesmo tempo alto o suficiente para que o fizesse tremer. 

Então, uma pessoa apareceu em sua frente, com correntes se arrastando pelo chão e roupas esfarrapadas. Caronte realmente estava lá. 

                           ~•~•~•~ 

Em meio a total escuridão noturna, uma flor roxa brilhou sobre o lago, o mesmo lago que estava na entrada de Yunmeng. Conforme o cenário tomava forma, Lan Zhan podia ver o grande portal coberto por flores com uma grande placa de neon escrito "Bem vindo a Yunmeng". Ao seu redor tudo estava molhado, a chuva se tornava mais forte, mas nenhuma gota caia sobre si.  

Caminhando pela estrada, ele pode ver que cada lótus ali presente parecia se iluminar, era como se inesperadamente elas se acendessem como lâmpadas, em seus tons vibrantes de roxo que clareavam a noite mais do que as luzes oscilantes dos postes. Não muito longe ele viu que no fim da estrada, em meio a névoa espessa, uma enorme casa surgia, ele percebeu que estava se recordando do dia de seu acidente, mas ainda assim não pode deixar de achar aquele cenário mais assustador do que antes.  

Dos portões que se abriram silenciosos devido aos trovões que o encobriam, uma menina pequena caminhou para fora, ela não parecia ter mais do que dez anos e seu hanfu roxo se arrastava atrás dela pelo chão, grande demais para sua idade. Enquanto atrás dele um carro apontava ainda distante, a menina havia se transformado em uma mulher adulta, tão bonita quanto todas as flores que ali estavam, Lan Zhan teve a impressão, como um djavu, de que já a conhecia, mesmo que não se lembrasse de onde.  

A mulher calmamente caminhava no meio da rua, indo de encontro com o carro como se não temesse nada. Ainda que não fosse real, diante de tal aproximação descuidada, Lan Zhan não pode deixar de se preocupar. Em um momento ela parou seus passos, estendeu seu braço direito no ar e seus olhos se fecharam completamente. Segundos se passaram, e quando as flores pareceram eclodir, liberando brilhos no ar, a moça os abriu, jogando seu braço estendido em um movimento pesado para a direita.  

O carro que vinha instantaneamente pareceu deslizar pela pista, perdendo o controle e se chocou contra uma grande árvore fora da estrada. Não foi uma batida forte realmente, mas ainda assim o suficiente para que o fizesse desmaiar.  

- Você está sonhando agora, certo ? - perguntou, Lan Zhan achou que ela estava falando sozinha, mas então se virou e olhou na exata direção em que ele estava - Lan Wangji, como ousou fazer meu irmão esperar ?  

Ao longe ele pode ver o Wei saindo da mansão e caminhando até seu carro, ele colocou a mão sobre o peito de Lan Zhan tentando sentir seu coração e naquele momento realmente não havia batimentos. Wei Ying o levantou com esforço, já que Lan Zhan era maior que ele, e caminhou vagarosamente de volta.

- Naquele dia eu apenas perdi o controle por um momento - perguntou, lançando um olhar questionador para a mulher  - Você realmente me matou ? 

- Não. Em nenhum momento esteve morto, apenas fiz parecer que sim para que ele o levasse - indicou a cabeça na direção de seu irmão e se aproximou - Lan Wangji eu preciso que você me escute bem, A-Xian também não está morto, e agora, você precisa levá-lo embora. 

Ela pegou em seu braço o guiando na mesma direção na qual o Wei estava indo. 

Nem mesmo ele sabe que não é uma alma, a única coisa que o prendia aqui era seu desejo, ainda que a casa não seja fixa eu e Caronte sabíamos que você viria para a cidade e a ancoramos aqui por um tempo - ela falava com firmeza, mas sua voz ainda vacilava hora ou outra - Sua linha da vida terminaria aqui, aquele acidente iria acontecer de todo jeito, apenas reduzi seu impacto. Se eu não interviesse, você realmente morreria. 

Eles caminharam em silêncio apenas observando Wei Ying, ele na verdade havia sido salvo por sua cunhada mas não conseguia se sentir aliviado diante da situação que seu amado estava.

- Mas ainda existe a barreira que não nos deixa sair - disse - O que devo fazer ?

- Isso já foi resolvido, não se preocupe - respondeu, se virando para ele - Contudo não será fácil, você deve entender que ele esteve comprometido nisso por longos anos. Talvez...um pedaço de sua alma já tenha sido levada.

Nesse momento, as grades do portão começaram a se retorcer ruidosamente e tanto Lan Zhan quanto Yanli se viraram surpresos. O lugar parecia vibrar como em um terremoto, as águas do lago faziam ondas e muitas das flores se tornaram marrons e sem vida rapidamente, com um grunhido Yanli se abaixou no chão com a mão sobre o peito e o rosto contorcido em dor, seus lábios estavam sem cor e ela tremia violentamente enquanto sua imagem oscilava.

Lan Zhan se abaixou em sua frente, mas não pode ajudá-la, pois inesperadamente sua visão desapareceu completamente, a última coisa que se pode ouvir, foi um "Volte" vindo de Yanli enquanto um dedo dela era pressionado em sua testa. 

CARONTE  (Wangxian Short Fic)Onde histórias criam vida. Descubra agora