PRÓLOGO

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Às vezes, a vida te coloca em uma encruzilhada inesperada. Isso acontece quando você acredita que tudo está caminhando como deve, seus sentimentos estão equilibrados, sua mente está em paz e tranquila e todos ao seu redor, pelo menos aqueles com quem se importa, estão de acordo com suas decisões.

É como o mar, no início da manhã... Você olha a marola calminha, super controlada, com um leve resquício de espuma... você sabe que tudo pode mudar, na verdade, você sabe que tudo vai mudar. Mas, de alguma forma, aquela tranquilidade e silêncio, com a temperatura certa do sol...tudo, absolutamente tudo, faz você acreditar que o seu mundo está perfeito e nada tem o poder de bagunçar o cenário.

- Você me ouviu?

- Oi?

- Você ouviu o que eu disse?

- Ouvi sim.

- E?

- Isso seria uma loucura.

- E?

- É sério que você está me falando isso faltando uma semana para o casamento?

- Não é como se a nossa conversa não tivesse me levado a essa ideia. Fala sério, você estava participando do mesmo diálogo que eu.

- Eu sei, mas não era por aí que eu estava indo...

- Bem, mas aqui estamos. E eu preciso que você me diga o que pensa disso.

- Eu precisaria mudar absolutamente TUDO.

- E qual seria o problema?

- O problema é que eu não consigo pensar só em mim.

- Mas deveria...pelo menos uma vez na vida.

- Você só pode estar de brincadeira comigo...

- Eu nunca falei tão sério como agora.

Ele estava falando sério. E isso era fácil de decifrar, já que ele sempre estava brincando com tudo. Perceber seus olhos tranquilos, sem expectativa de uma risada minha, mas cheio de ansiedade de uma resposta... isso dizia mais sobre estar falando sério do que qualquer documento oficial que provasse a seriedade de uma proposta.

Mas antes que eu conseguisse processar os seus planos, as suas ideias e a sua bendita pergunta, eu precisava repensar meus últimos seis anos e a minha vida inteira a partir dali. Meu Deus, como ele poderia soltar uma pergunta dessas e esperar que eu simplesmente embarcasse? Ele não me conhecia nem um pouco?

- Continuo esperando...

- Eu... é que.... por que?

- Por que o que?

- Por que comigo?

- Sério? Por que o que temos é especial demais. Por que ninguém entenderia isso. E ninguém seria tão perfeita para estar comigo nessa.

- Mas existem riscos. Muitos riscos.

- Quais?

- De tudo dar errado.

- E o que seria dar errado?

- A gente poderia se perder. De tudo. Inclusive dos planos.

- Você pensa demais.

- E você pensa de menos.

- Bom, então eu vou pegar uma bebida, enquanto você pensa...

E ele se levantou, como se cinco minutos fossem suficientes para eu decidir alguma coisa. Eu não sou indecisa, mas assim, isso mudaria tudo na minha vida. E mudaria a vida de muitas outras pessoas.

Eu acendi um cigarro. Bebi um gole da minha bebida. Balancei a perna... "calma, eu estava sentada em um balanço esse tempo todo?". O cenário não poderia ser mais improvável.

Meu noivo, o cara com quem eu havia dividido meu amor nos últimos seis anos, estava ali. Distante, mas ali. Ele não esperava uma resposta minha, afinal, eu já havia concordado há dois anos que o casamento era algo a se realizar em breve. Ele me olhou e sorriu... eu desviei o olhar. "Meu Deus, por que eu desviei o olhar?" Isso me colocou na cadeira de culpada. E eu não fiz nada. Não decidi nada. Ou fiz? Eu fiz. Mas eu não mudei as coisas. Pelo menos não ainda.

Levantei. Me afastei um pouco da música, das pessoas, da pressão, dos olhares. Eu precisava pensar. Não, eu não precisava pensar. Eu queria pensar. Da calmaria, veio a tsunami de emoções, de sentimentos, de planos, de possibilidades de futuros distintos. Minha mente estava bagunçada... em seis anos, era a primeira vez que meu estômago se revirava de ansiedade. Se isso era viver, o que eu tinha feito até hoje?

Olhei para trás e ele estava vindo de novo na minha direção. Não o meu noivo. Ele. Aquele que parecia conhecer a única versão de mim que eu nunca escolhi mostrar para ninguém. Ele e a sua maldita pergunta. E os seus planos. E o seu olhar tranquilo. Ele e o futuro impossível que acabara de se materializar na minha mente. E foi então que eu soube o que tinha que fazer.

QUASE SEM QUEREROnde histórias criam vida. Descubra agora