Capítulo I

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Observava atentamente o vidro embaçar-se aos poucos, seguido do cair incessante da neve sobre os enormes pinheiros, formando, em consequência, uma imensa camada branca estendida por todo o chão, outrora verde e repleto de flores.

Romalas. Nas poucas vezes em que o sol brilhava fraco, porém intenso o bastante para derreter a neve e dar-me a oportunidade de sentir os raios esquentarem minha face, eram crescidas lindas romalas ao redor da casa, todas de cores diversificadas e pétalas delicadas como uma rosa que, pelo formato, seriam facilmente confundidas, isso se eu não fosse obrigada a estudar sobre elas.

Meus dias tornaram-se longos e corriqueiros desde que tomei consciência sobre a minha existência, e depois que me tiraram a chance de colorir a minha vida, tornando-a um papel em branco e sem graça, tal como a neve.

Minha mãe, também tutora, me ensinou de tudo um pouco. Desenhar, pintar, bordar, costurar, escrever, ler, tocar piano e até já me fez cantar, o que, honestamente, não foi uma boa ideia. E por último, a única coisa que faço por puro prazer. Lutar. É bem raro, pois de acordo com os princípios de meu pai, boas mulheres não lutam. Eu e minha mãe fazemos isso escondido.

— Alina Hadoock! — Exclamou frustrada, batendo seu livro grosso na mesa somente para me assustar — Já é a terceira vez que eu lhe chamo a atenção!

Encaro-a por breves segundos e bufo desinteressada, apoiando o rosto na palma da mão sem deixar de fita-lá. Permaneço quieta com a intenção de fazê-la prosseguir com o seu discurso que, na realidade, eu nem ao menos sabia do que se tratava. Ao notar minha carranca desinteressada, sua testa enrugou-se em reprovação e sua mão foi de encontro a minha orelha, puxando-a com força.

Contorci meu corpo com a queimação na área apertada, grunhindo de dor até que minha orelha fosse solta. Levei minha mão até o local, e massageei.

— Agora abra seu livro na página setenta e um e leia o parágrafo três. — Seu tom de voz era sereno, parecia satisfeita.

— Que tipo de mãe fica feliz com a dor da própria filha? — Perguntei chorosa.

— Você mereceu. — Cruzou os braços — Anda logo, comece a ler.

Bufei de novo.

Tediosamente, abri o livro e passei os dedos entre as folhas amareladas, tentando adiar aquela tortura. Não que eu não goste de livros, só que esse, em especial, eu odiava. Tratava-se de uma história onde o garotinho perdia sua mãe, crescia, tinha filhos, partia para a guerra e, por fim, morria. Fala sério, esse é o pior final do mundo! Eu quero ler livros para sair da realidade e não para encará-la.

— Você não vai ler? — Levantou a sobrancelha.

— Claro, mamãe. — Lhe direcionei um sorriso amarelo. Talvez eu consiga engana-lá e fugir dessa tortura. E bom, aquele velho é a melhor das soluções para isso. Nesse mesmo sentido, foi quando olhei para um lado qualquer através da janela — Ei, aquele não é o papai?

Imediatamente, mamãe esbugalhou os olhos e deixou um sorriso desajeitado escapar. Deu batidas leves em seu longo vestido verde e passou os dedos entre seus fios rebeldes. Aos tropeços, correu até a janela:

— Onde, onde? — Olhava animada para todos os cantos possíveis.

Antes que se desse conta, levantei da cadeira e corri o mais rápido que pude, subindo as escadas e trancando a porta do meu quarto, aproveitando também para me jogar na minha cama.

Ouvi um grito estridente no andar de baixo.

Eu não gosto nenhum pouco do meu pai, e também sei que aquele velho não vai com a minha cara. Ele nunca está presente, e quando aparece, se comporta de maneira fria e distante, sempre afirmando-me que não tenho autorização para deixar a floresta por conta das "maldades presentes no mundo". O fato é que, mesmo assim, minha mãe está sempre morrendo de amores e fazendo tudo o que ele pede, por mais doentios que sejam os pedidos.

Ela sempre diz o quão incrível é estar apaixonada e desejar alguém, mas se isso for amor, juro que quero estar bem afastada.

Lentamente, andei até o guarda-roupa de madeira com adornos dourados e peguei a minha espada escondida debaixo de alguns vestidos mal dobrados. Destranquei a porta e desci novamente as escada na ponta dos pés, tomando um cuidado excessivo para que a madeira não rangesse. Espiei pelo buraco na parede e enxerguei minha mãe de costas, considerando aquele o momento mais do que perfeito para um ataque surpresa.

Antes que eu avançasse, acabei pisando em uma madeira velha, fazendo-a se virar de imediato na minha direção. Ela continha uma expressão apagada, com a face coberta por lágrimas, apesar de que, rapidamente, limpou-as com as mãos ao ouvir o barulho.

— Merda! — Praguejei.

— Alina, é você? — Sua voz tremeu, ela pigarreou — Filha?

Respirei profundamente, tentando não pensar o quão tola minha mãe era por estar chorando por um homem que não a merece. Era sempre assim. Mesmo fazendo de tudo por ele, o velho continuava sendo um brutamontes.

Saí de trás da parede, levantei a espada e apontei para minha mãe:

— Este será o seu fim! — Digo brincalhona, engrossando a voz para parecer a de um jovem guerreiro — Diga suas últimas palavras!

— Há quanto tempo estava ali?

— Essas são suas últimas palavras?! Que desperdício.


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⏰ Última atualização: Sep 11, 2021 ⏰

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