Funga-Funga e a Fada da Primavera

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Funga-Funga era um duende feliz. Apesar da pouca altura e da forte alergia ao pólen de flores de perfume adocicado, ele se sentia completo.

Afinal, o que poderia reclamar de sua vida quase-totalmente-perfeita?

Funga-Funga tinha uma casa-cogumelo.

Funga-Funga tinha amigos cogumelos.

Funga-Funga tinha um jardim de cogumelos.

E tudo parecia perfeito e pacato. A não ser pelas malditas flores.

Suas cores confusas, seu toque macio, seu pólen dourado... Argh! Tudo que existia nas flores parecia proposital para incomodar Funga-Funga.

Ele não tinha amigas flores, ele odiava todas as flores.

Seus cogumelos, porém, estes sim mereciam a atenção de Funga-Funga! Amarelinhos, redondinhos, pareciam fagulhas de sol que haviam cansado há tempos de morar no céu e decidiram se mudar para Terra.

Eles eram redondos, fortes, robusto, inteiros e não se machucavam por qualquer besteira como aquelas flores bobas.

Tão bobas que insistiam em crescer no gramado de Funga-Funga.

Quanto mais ele as cortava, mais pólen caía, mais ele fungava e mais elas insistiam em retornar. Ele não lembrava se já havia falado, mas achou de bom tom reafirmar: malditas flores!

Foi numa manhã de Primavera que Funga-Funga foi surpreendido por uma visita incomum.

Com um vestido longo e tão farto em pano como aquelas cortinas antigas, uma bela fada apareceu no portão do duende, estampando um sorriso tão belo quanto o primeiro raio de sol que desponta o céu marcando o fim do Inverno. Funga-Funga amava fadas.

- Por que insiste em matar minhas irmãs? - Perguntou a moça, com inocência.

- Irmãs? Elas não são suas irmãs! São flores. Flores. Insuportáveis, intrometidas e persistentes! - Respondeu o duende, enfezado. Funga-Funga tinha certeza que aquela fada bisbilhoteira só podia ter comido um cogumelo estragado! Olhou com sua pior careta, e concluiu: - E sem vida, veja só, nem se mexem ou saem do lugar, só servem para sujar meu quintal de pólen e fazer meu nariz coçar!

Satisfeito, se achando muito inteligente em sua argumentação, Funga-Funga pensou que fadas talvez não fossem tão agradáveis assim.

- Há muita vida naquilo que não sai do lugar. - Respondeu a fada achando graça da raiva do duende. - Mas, se desejar, posso levá-las embora comigo.

Radiante, Funga-Funga assentiu. Seus problemas de alergia tinham, enfim, acabado e, enquanto a bela moça de vestido azul e grandes asas recolhia as flores e colocava-as em sua bolsa mágica, Funga-Funga pensou: "É, eu realmente amo fadas".

Funga-Funga já estava voltando para dentro de sua casa-cogumelo quando a moça, como num estalo de memória, o alertou:

- A natureza busca em si o equilíbrio. Você irá sentir falta destas flores. - O duende mal chegou a ouvir, estava feliz como nunca antes, e nem percebeu quando a fada já havia ido embora.

Meses se passaram e, com eles, a felicidade de Funga-Funga se perdeu.

Se perdeu como as borboletas e abelhas que não o visitavam mais.

Se perdeu como as frutas das árvores que pareciam muito tímidas para aparecer.

Se perdeu como os passarinhos que não bailavam mais no céu em busca de comida.

Se perdeu como toda a vida ao redor de Funga-Funga, que passou a viver entre árvores solitárias, dias vazios de som e amigos que não batiam mais em sua porta.

Até mesmo seus amados cogumelos pareciam tristes e exagerados em meio a tanta putrefação de folhas murchas que cercavam seu um-dia-belo lar.

Arrependido, praguejou a fada, as flores, aos cogumelos e a si mesmo.

Já sem esperanças, Funga-Funga nem percebeu quando a Primavera retornou de seu merecido descanso, trazendo com ela a fada de vestido azul.

- Como vai, velho amigo? - Perguntou a moça, tirando Funga-Funga de seus devaneios.

- Nada bem! Você tirou a vida deste lugar! - Respondeu irritado.

- Mas foi você quem quis que eu levasse flores comigo! - A forma jocosa como a fada lhe respondera apenas enraiveceu ainda mais o pequeno duende.

- As flores, não tudo! - Seus olhos marejaram. - Você levou tudo embora!

- Você os quer de volta?

- Quero!

- Então lhe devolvo. - E tirando de sua bolsa as flores que havia recolhida no ano anterior, a fada virou-se de costas e partiu, deixando um Funga-Funga atordoado e novamente repleto de flores.

Os dias passaram e, com eles, as abelhas e borboletas retornaram, os frutos cresceram e os passarinhos voltaram a bailar.

Funga-Funga não sabia dizer direito o porquê, mas passou a amar flores.

Fim  

Funga-Funga e a Fada da PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora