O cheiro da noite enchia meus pulmões, desde que me entendo por gente o véu escuro coberto de estrelas, luzes da cidade e carros parece me proteger como um escudo, há algo no barulho distante de máquinas e silêncios humanos que me trazem paz.
Estou em casa, terminando meu banho. Na minha cabeça passam expectativas sobre a noite que me aguarda, encontrar amigos, beber algo, dançar como se eu soubesse dançar, ser, por algumas horas, quase uma diva pop por entre as pessoas, essas, que eu reconheço embora eu nem conheça.
Termino meu banho, as últimas gotas de agua percorrem meu corpo, deslizando por entre os pelos baixos que acabei de aparar, enxugo meu rosto e me coloco em frente ao espelho. Sorrio ao ver que alguns poucos meses de academia fizeram algum resultado, embora eu me sinta em um corpo que ainda não é meu, não se parece tanto assim comigo. Me ressinto por algumas coisas fora do lugar e me odeio por instantes, me lembro das várias vezes que o prazer de comer me conduziu ao exagero, agora está um exagero o meu corpo, uma marca da minha escolha.
Bato com a toalha levemente na minha cara e saio da frente do espelho.
- Pra que? Já foi feito, já tá feito!! Vai tomar no cu eu! - pronuncio em uma conversa com meus próprios fantasmas e termino de me secar.
Minha mão vai enxugando as partes que vi no espelho e é estranho que quando as toco não sinto a raiva de quando as vejo, eu simplesmente as enxugo com cuidado, com meu corpo. Há algo no meu olhar que, acredito, é mais terrível do que as minhas mãos, uma certa maldição, um machucado talvez. Não sei dizer.
Passo o desodorante, a ideia é suar sem que ninguém queira estar a quilômetros de mim. Passo um hidratante e vou me vestir, uma roupa básica, preta, que mostra um pouco da minha pele, shorts curtos, não faz tanto calor, mas não sinto frio nas pernas. Passo um delineado nos olhos e retorno ao espelho. Me olho, sorrio, me acho bonito por alguns instantes, acho que com a ajuda do mantra recitado muitas vezes enquanto me arrumo " um gostoso, um gostoso, um gostoso."
Calço botas pretas, arrumo minha bolsa com o que preciso e apago a luz da casa, meu gatinho me olha de longe saindo pela porta, nesse momento eu tenho certeza que ele está me xingando por ousar sair mais uma vez.
- Eu volto, Salem!
Sempre que eu saio eu torço pra voltar só na manhã seguinte. A porta do elevador se fecha. Meu sábado começou.