Terça

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Relógio desperta.

Abro o olho.

- Mais cinco minutinhos, por favor! - Me embrulho no edredom e no travesseiro, afastando a merda da realidade que se anuncia pela manhã. - Amo meu trabalho! - Penso rapidamente antes de cair numa suspensão de consciência que eu acho que vale mais que o sono de uma noite inteira.

Relógio grita. Abro o olho lentamente, sei que vou ter mais uns 20 minutos para me arrumar...

- PUTA QUE PARIU! - os 20 minutos para me arrumar de repente viraram 30 de atraso. Pulo da cama, meu coração já tá batendo na testa. Recolho a roupa, visto tudo muito rápido, passo no banheiro e nem olho no espelho, só escovo os dentes, não preciso de uma crise de identidade às 8 da manhã.

O telefone toca. Não quero atender, certeza que é algum gênio que descobriu que eu estou atrasado. Olho na tela enquanto termino de escovar os dentes. Atendo.

- Amigo, cadê você?! Não era hoje que sua chefe ia tá aqui cedo? 

- Cala a boca, mulher! Você acha que não sei?! - Grito para o viva-voz com a boca cheia de pasta de dente. - Tô indo! Correndo!!

Desliguei o telefone, peguei minha bolsa que, graças a vida só, estava no mesmo lugar que deixei - jogada em cima do sofá. 

- Eu volto, Salem! - Meu gatinho me olhava sair pela porta, eu juro que ele estava me xingando.

Caminho pela rua a passos largos, saio derrubando meu casaco que está na mão, junto com a bolsa, a chave, o óculos, vou andando e colocando tudo no lugar. Penso em tomar um café bem forte para poder conseguir escutar os xingamentos e as reuniões do dia, principalmente hoje. Não que me atrase muito, mas sempre é a mesma história que eu ouço. Sinceramente acho que a querida da minha chefe acha que eu não vivo nesse mundo e sei como as coisas funcionam.

Meu telefone toca, está escrito "querida" na tela - falando no diabo - não vou atender, não estou preparado para escutar broncas antes de acordar de verdade.

Já estou no inferno mesmo, vou abraçar o capeta. Desço do uber perto do trabalho, antes de entrar vou passar numa cafeteria e pedir pelo menos um cafezinho para viagem, com chocolate, por que eu mereço.

Fila.

E lá se vão mais 15 minutos esperando para tomar esse líquido sagrado que cola a alma ao corpo.  Meu olho tá pregado no celular, lendo os arquivos do grupo de roteiristas da série.

- Próximo!

- Um capuccino de chocolate, por favor! - peço sem tirar os olhos do celular, faço tudo automaticamente, tiro a carteira da bolsa, passo o cartão, pago e espero. Dou olhadas ora ou outra para descansar a vista, me deparando com pessoas que não conheço.

- Com licença - Escuto uma voz gutural logo atrás de mim, baixo meu óculos e tenho que levantar um pouco a cabeça, ele é mais alto do que eu.

- Put..... - não posso terminar a frase. - Claro, toda! Fique a vontade!

Saio da fila, meu coração disparado, eu sinto meus olhos brilhando de desejo. Eu conheço ele. Ele é um herói. Desses que eu mesmo já escrevi numa série. Ele é alto, queixo e mandíbula marcados, os olhos doces, mas não ingênuos. Ele está usando um bigode lindo, a barba começando seu crescimento, os braços e os peitos dele se escondem por trás de um terno elegante, suas pernas e seu bumbum, no entanto, não conseguem ficar tão disfarçados na calça.

- Caralho! - Falo baixinho, pego meu café e saio ja procurando o numero da minha amiga no telefone. Mando mensagem.

- Mulher, você não sabe quem está tomando café aqui em frente! 

De repente não preciso nem de café mais para acordar, meu corpo inteiro está aceso. Todo o imaginário daquele corpo heroico usando de meu corpo me faz sentir em um banquete. Corro para o trabalho, a pequena chama da imaginação me acordou muito mais que café, estava pronto para o meu dia, pronto para ficar sonhando com impossibilidades enquanto ouvia broncas por chegar atrasado. Ele me salvaria daquele dia meio merda. Meu herói.



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⏰ Última atualização: Sep 24, 2023 ⏰

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