🦎Introdução🦎

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   Jungkook acordou com o som alto de um estrondo do lado de fora da janela. Não teve tempo de se levantar de verdade antes de sentir as mãos firmes o balançarem com força, os gritos vieram depois, e ele concluiu pela primeira vez que não estava entendendo nada. 

   — Kookie! Kookie, você tem que ir! — Era Halla. Foi o que o fez abrir os olhos com tanta urgência quanto o tom da irmã. — Você tem que ir agora! — Eram quase gritos. 

   Jungkook se levantou, praticamente pulando do colchão e batucando os pés no chão com pressa, imitando o estrondo da segunda mala que a irmã lançou pela janela quando se atrapalhou nos próprios pés e acabou caindo. 

   As malas foram feitas na noite anterior, pouco antes de a garota apagar em seus braços em prantos, e pouco depois do grande desastre que foi seu pai pegá-lo conversando de maneira um tanto sugestiva com Soogi no corredor do prédio. Se pudesse escolher, não seria dessa forma como Jungkook diria ao velho Jeon suas escolhas.

   Definitivamente não envolveria o garoto, o vizinho com quem compartilha segredos desde os sete anos de idade, quando os mais velhos do parque decidiram incomodá-lo por brincar com as bonecas da irmã. Jungkook se lembra de ter medo, quando se levantou e inflou o peito para brigar como um galo de rinha, imitando a pose ridícula que os outros faziam quando pensavam intimidar o outro — mas Jungkook só via incômodo, e o quanto Soogi só queria que fossem embora dali — , mas ele também se lembra de não "achar" nada quando não reagiu quando o tentaram empurrar, apenas continuando ali. Jungkook não "achou" que devia mandá-los embora de alguma forma, ele apenas "sabia" que eles não deveriam estar ali. E, no fim das contas, Jungkook também gostou das bonecas. 

   Foi um bom início de amizade, quando acabou voltando com o corte na bochecha que, Soogi reparou de imediato por estar sangrando, e se juntou ao garoto para brincarem com as roupas coloridas. Os dois viraram amigos depois desse dia, quando voltaram juntos para o prédio e descobriram ser vizinhos então... a amizade se confirmou de imediato. O grande problema é que, brincar com bonecas nunca foi um grande problema aos olhos da mãe, mas parecia chatear o pai, que chegou a reclamar tão alto uma vez a ponto de alertar Soogi do outro lado do corredor, e então, aos nove anos, Jungkook teve sua grande primeira decepção. 

   Ele gostava de Soogi, e gostava de como tudo o que ele dizia era tão acolhedor como não era o que ouvia dentro de casa. Não entendia ao certo o grande motivo para adorar tanto a família do amigo, em todas as noites que passava no apartamento em frente ao seu — talvez porque não entendia o grande motivo de ser tratado de forma tão ridícula pelo pai dentro da própria casa, e como era diferente de como os pais do amigo o tratavam. Eles criaram um laço interessante, e se apoiavam sempre que um "grande problema" surgia, mas então teve o dia da briga com o pai, quando Jungkook bateu à porta do amigo e ele não atendeu. 

   Foi a primeira vez que Soogi negou um pedido seu, e aquilo doeu. Ele era a única pessoa em quem confiava, e então o ignorou durante os dias no colégio por tanto tempo que pensava já ter sido esquecido, mas isso até o dia anterior, quando encontrou Soogi caído próximo à quadra colorida, no meio dos arbustos espinhentos junto das roseiras que ninguém se importava em podar, rodeado pelos tecidos de um projeto para a aula de artes que — o ouviu comentar com outro colega — viriam a se tornar um vestido "deslumbrante". Jungkook não o ignorou como o garoto vinha fazendo com sigo nos últimos nove anos, ele se aproximou o suficiente para estender a mão e puxá-lo sem se importar com os rasgos que os espinhos fizeram em sua pele. Soogi parecia arrependido enquanto caminhavam para casa juntos depois de anos separados. 

   O amigo o explicou seus motivos, é claro, e foram quase o suficiente para Jungkook apagar por completo todas as partes ruins que englobaram a ausência do outro. Soogi tinha feito isso para poupá-lo dos gritos do pai, que Jungkook realmente notou terem se tornado menos frequentes — na mesma época em que também descobriu seus motivos e então se reprimiu ainda mais, guardando todo o seu jeitinho na caixa bonita de fita azul onde também guardou suas bonecas, onde guardou as cartas românticas do garoto com quem trocou seu primeiro beijo, a quem tratou de despistar em seus dias caminhando para o fim das aulas por medo de seu pai vê-los juntos; o garoto acabou se afastando aos poucos depois, tal como a verdade sobre quem Jungkook era. 

   A única pessoa, além do antigo amigo e do garoto de seu primeiro beijo, que sabia de seu grande segredo era Halla. E no fim de tarde do dia anterior, quando o pai — costumeiramente bêbado — abriu a porta do corredor para descer e verificar a caixa de correios, no exato momento em que Soogi resolveu agradecer Jungkook com o beijo singelo na bochecha que foi devolvido com ternura, foi ela quem o puxou o irmão para dentro do apartamento e os trancou no quarto pouco antes de o pai socar a porta velha que até mesmo reclamou as dobradiças. 

   A voz da mãe foi ouvida do outro lado, tentando acalmar o homem que o prometia uma surra para acabar "toda essa ideia ridícula dos garotos atuais" de Jungkook. A mãe conseguiu carregá-lo para cama depois de um pouco mais de alarde, e bateu à porta durante a madrugada, não se surpreendendo quando viu as malas prontas assim que foi recepcionada pelos dois filhos amedrontados. Mesmo assim, sem surpresa, ela chorou enquanto ninava Jungkook em seus braços, beijou o topo de sua cabeça e os pediu perdão por ter escolhido uma vida tão errada para todos eles. 

   Quando ela se virou no corredor, caminhou hesitante até o quarto que dividia com o homem que exalava álcool e tabaco, olhando sobre o ombro o máximo que pode até ver o aceno de Jungkook em despedida antes de a porta voltar a se fechar. Ela sabia que era a última vez que veria um dos filhos, e que o outro nunca a perdoaria por simplesmente permitir isso. Nada seria o mesmo, e era esse o fato que a arrastou para seu lado da cama, que levou seus dedos ao frasco de calmantes quase vazio na cabeceira, ao lado do porta retrato onde todos sorriam. 

   Halla chorou embalada pelos braços do irmão, que também chorava mas nunca a permitiria descobrir isso porque "tudo ficaria bem". 

   Quando Jungkook se sentou no batente da janela do segundo andar do prédio onde moravam, quando encarou as malas lá em baixo o esperando, tudo se passou como um filme em sua mente, e simplesmente não teve coragem de olhar para Halla mais uma vez. Ele mordeu os lábios e quis amaldiçoar as lágrimas que escorreram por sua bochecha. 

   O rosto sentido da mãe, o semblante desesperado de Halla, o sorriso doce de Soobin...

   As paredes pintadas de cinza, o cheiro de cigarros e comida salgada...

   Jungkook sentiu o vento corta o rosto quando pulou, quando pousou sobre as malas macias ainda sentiu dor, mas nenhuma sensação seria o suficiente para encobrir o aperto em seu peito. O sentimento desesperador que o seguiu quando se levantou e tomou as malas sobre os ombros para arrastar os pés pela calçada. 

   Doeu quando tomou rumo para o mais longe possível de casa

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Olá de novo!
Essa é nova, fresquinha, mas é só um passa tempo pessoal. 
O plot é bem mais simples, mesmo que não exista tranquilidade no que eu escrevo — porque é basicamente impossível isso acontecer — as coisas vão rolar bem mais tranquilamente e sim: eu tentei puxar um pouquinho pra comédia mesmo que a introdução seja um pouco dramática. 
Peço que abracem essa minha tentativa com respeito e carinho, tem personagens bem trabalhosos de descrever mesmo que apreça sempre tão simples, e eu tento muito deixá-los reais então respeitem o jeitinho deles. 
No mais, espero que gostem, e se gostarem, deixe eu saber que estão gostando! 
Um beijo! Até mais!

PS.: A lagartixa vai fazer sentido uma hora, aguardem. 

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