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Não sei se era na minha cabeça ou se era na dele, mas a máquina continuava a funcionar. Às vezes eu confundia-me com ele, era como se fossemos um só coração a pulsar emoção, éramos como o cheiro da cafetaria do bairro, paixão fundida com café e o forno a arrefecer das recentes utilizações.

E eu ria alto como se a máquina tivesse parado, como que de uma semente de malmequeres eu tivesse tirado tulipas. E mesmo assim a máquina não parava. Lembrava-me dos olhos dele nos títulos dos livros, não sei se ele estava mesmo a tentar comprar um livro ou se estava a tentar decifrar se eu era mais Júlio Dinis ou se batia mais para o lado de Eça de Queirós.

Era naquelas manhãs que ele me tentava pôr a ouvir Rui Veloso e eu só pensava na maneira como o pó se tinha acumulado no topo do seu "grande e estiloso rádio", como dizia ele.

Era nas manhãs em que Marco Polo se misturava com o Plano de Ataque e a minha página 157 decidia fechar-se nos meus olhos.

Era o sopro do vento que eu nunca sentia por ser demasiado insensível ou o livro que me deram e eu nunca compreendi por ser demasiado "cabeça de mosca".

Foi na tarde em que eu já não suportava mais, ele abraçou-me e aquilo tornou-se demasiada menta para mim. Mas se eu era a rapariga insensível e ele o rapaz com demasiados pontos fracos, a máquina ia funcionar, certo?

A MáquinaOnde histórias criam vida. Descubra agora