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Tudo começou de uma maneira promissora. Apesar do meu voou chegar incrivelmente atrasado e da minha mala se perder no aeroporto, foram horas cansativas rodando de um lado para o outro completamente perdida. Mas tudo sempre fica bem, e quando finalmente consegui achar a bendita mala pude enfim ir em busca de informações de ônibus para Old Street onde fica o dormitório disponibilizado pela universidade. Mesmo com todos os iniciais problemas o meu coração continuou cheio de esperanças, sentia que aquela mudança dos Estados Unidos para Londres seria um novo começo.

Infelizmente não demorou muito para chegar, o que me deixou levemente frustrada porque eu queria poder passar mais tempo observando as ruas de Londres, sabe a sensação de sentir que você pertence a um lugar...eu me sentia exatamente assim. Desde meus 15 anos eu sonhei em estar ali, a cama do meu quarto tinha uma coberta com fotos do horizonte londrino, e me empanturrei de Beatles e filmes Carry On ainda bem jovem. Londres era minha terra da fantasia, e eu havia chegado a suas margens como uma sobrevivente de naufrágio.

Claro que eu sabia que tinha estado ao leme daquela malfadado navio e passara os últimos dois anos conduzindo-o direto às rochas. Pensei no olhar da minha mãe do meu pai quando fiz as malas e parti, e empurrei todos esses flashbacks para o fundo da minha mente, recessos mais sombrios do meu cérebro, onde nem eu posso ver. Não estava pronta para admitir que fiz uma completa loucura, mas se eu sou a Alice nesse mundo das maravilhas, tenho certeza que um dia meu Chapeleiro irá aparecer e dizer que as melhores pessoas são assim...as mais loucas.

Balancei a cabeça para dispersar todos esses devaneios que não vão me levar a lugar algum, concentrando-me em arrastar a mala pesada com uma das rodinhas quebradas por causa do nada delicado manuseio no aeroporto. A minha frente estava o prédio exatamente como na foto na internet, um sobrado vitoriano de tijolos avermelhados com uma porta grande de madeira e uma trepadeira murcha subindo pela estrutura. Eu estava grogue com a mudança de fuso horário e sinceramente não via a hora de entrar, tirar minhas botas e me jogar na cama. Passei a mão nos meus cabelos ruivos em uma tentativa de parecer mais apresentável antes de enfim bater na porta, sorrindo singelo quando uma garota alta que parece ser mais velha do que eu, me recebeu com um grande sorriso, brilhantes olhos azuis e cabelos castanhos encaracolados preso em um rabo de cavalo no topo da cabeça. Imediatamente me senti melhor.

-Oi! Você deve ser a Lux Valentine. Entra, deve estar cansada.

-Estou exausta, pode me chamar só de Lux ou Valen. - Um riso bobo esvaiu, involuntariamente encolhi de leve os ombros por pura mania de querer me esconder quando conheço novas pessoas. É algo que preciso trabalhar em mim, se eu quiser deixar mesmo meus antigos hábitos no passado.

Ela me levou para dentro da residência estreita, que de princípio já no pequeno hall pude ver diversos pares de sapatos espalhados no canto, um cabideiro com os casacos pendurados e alguns recados presos no quadro de avisos. Deixei minha mala encostada na parede para poder segui-la até a pequena cozinha do andar de baixo, sendo recebida pelo aroma de café recém feito que incensa todo o ambiente.

-Eu sou a Sarah representante do dormitório, então qualquer problema ou informação que queira ter pode me perguntar...só não posso prometer ter todas as respostas.

-Não se preocupe, não costumo fazer muitas perguntas.

-Ótimo, sinal que vamos nos dar bem, Valen! - Me sentei no banco perto de um dos balcões, observando Sarah acender o fogo na chaleira. A morena apontou como se perguntasse se eu aceito, então apenas afirmei que sim com a cabeça. -Como você quer? Com açúcar, leite ou puro?

-Puro está bom, obrigada.

-Não sei como você consegue tomar desse jeito. Eu preciso de umas oito colheres de açúcar e um litro de leite no meu. Especialmente hoje que estou na maior ressaca. Passei a madrugada bebendo com os meninos da banda lá no Red Royal. - Apoiei meu cotovelo na mesa e o rosto na palma da mão, contentando-me em escutar e assentir com sorrisos singelos. Na verdade, não tenho costume de tomar café quente e puro, normalmente eu nem tomo café, mas se é um recomeço eu preciso tentar coisas novas. Dei de ombros aos meus pensamentos, voltando a prestar atenção em Sarah. Gosto de pessoas que falam demais, me fazem me sentir mais à vontade e me soltar mais rápido. - Estou contente que você parece ser uma pessoa normal, a última menina que morou aqui era uma crista evangélica e não bebia. Pode imaginar? Depois da terceira vez que ela despejou minha garrafa de Rum na pia, eu disse "olha boa sorte, meu amor, mas você não vai mais poder ficar aqui".

Me ensine como amarWhere stories live. Discover now