Bonequinhas derretendo no fogão

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  É inverno, chove, obviamente. Fui ao mercado para que pudesse comprar ingredientes para a sopa, no caminho de volta pra casa, encontrei um saquinho de pequenas criaturas rosa-pêssego aquela cor era linda, então, não pensei duas vezes antes de pegar aquele saquinho, de pequenas criaturas.

Sofro de um problema mental, não consigo realizar muitas coisas, então eu faço somente o básico para ajudar minha família e me manter estável mentalmente. 

Chego em casa com as compras em mãos, e um saquinho misterioso no bolso direito. Sorrio para mamãe, e digo sempre o quanto eu amo pertencer a esta linda família. Digo-lhe que Deus olhou pra mim com carinho, na mesma proporção que também olhou com desdém. Dou um beijo na testa da minha mãe, e vou para cozinha fazer a sopa, receita especial que a minha vó Maria criou especialmente para que eu reproduzisse. 

As mudanças climáticas  alteram o meu humor e isso pode acontecer especialmente quando me desconecto da realidade atual, e volto vagorosamente para o meu corpo. Sinto que meu cérebro se desestabiliza e volto muito fora de mim, outra eu, em meu lugar que assume o controle a partir daí.

                                      RECEITA SOPA DA VOVÓ MARIA

                                 ( lembrar de fazer no próximo inverno)

Três dentes de alho, uma cebola média, azeite, junta tudo na panela e refolga, em seguida acrescentar água, legumes da minha preferência....

 - Não me sinto bem, devo beber agua e sentar um pouco, antes de continuar. O calor do fogão é insuportável, me doí nos poucos neurónios. 

Sentada no sofá, ao lado de mamãe, eu descanso. Mamãe assiste uma novela antiga, mantém toda sua concentração nas ações dos personagens e ignora todo o resto.

- Nossa, dona mãe, não me sinto bem. O calor do fogão e o frio que entra pela janela não está me fazendo bem. 

Sinto muitas náuseas e, de repente, o almoço do meio-dia se vai.

- Olha o que você fez sua desgraçada esquizofrênica, agora terei que pausar minha novela, que estar tão interessante, para poder limpar a sujeira de uma doente, incapaz e alucinada, uma fracassada...

Mamãe grita horrores quando eu fracasso e eu odeio ela por isso.

- desculpa, dona mãe.

Devagarinho me sobe vozes, estão vindo do meu bolso direito.

- Queremos lhe falar, criatura, queremos lhe falar!

Me sinto medrosa, o que serão essas vozes?

-  Volta pra cozinha. Vamos mostras a sua mamãe, volta! volta!

Não sei que tipo de questionamentos eu deveria ter. Sou doente mental. Neste momento já me sentia pequena por dentro, já era outra de mim. 

- Eu me sinto tão bem agora, eu me sinto tão livre!

exclama ela, a outra, de mim, com entusiasmo e malícia.

- Tira nós do bolso! temos uma solução para essa mãe!

Coloco a mão no bolso direito e vejo a sacolinha que, a menos eu, achou no caminho de volta pra casa. A sacola é branca e possui transparência, por dentro dela vários corpos sem alma, eram cor de pêssego, aquele rosa delicado, lindo, e que não me representa. Odiava bonecas e ali estavam cinco pequenas criaturas que falavam sem parar. Mas falavam, para a outra.

- Ô, querida, me desculpe, a mamãe erra, mas a mamãe ama, na mesma proporção que Deus te olha com carinho e desdém. você, eu e seu pai morto e enterrado no quintal, temos uma conexão que transcende espaços, meu amor, não se encuca com as coisas de ruim que vos falo, benção!

bonequinhas derretendo no fogãoOnde histórias criam vida. Descubra agora