Um passo para o abismo

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Finalmente meu primeiro dia de aula na faculdade havia chegado, estava tão ansiosa que não consegui nem dormir, imaginando tantos cenários, sobre como tudo seria diferente, como se a vida estivesse começando ali.

Acordei às cinco horas, uma hora antes do precisava, estava ansiosa e empolgada. Tomei banho, vesti uma blusa verde com um desenho do mickey mouse, calça jeans azul e sapatilha de listras, deixei meus cabelos soltos, visto que estavam curtos na altura da bochecha, tão quanto o seu da noite.

Fiquei esperando por cerca de trinta minutos até que finalmente o ônibus passou, nesse momento meu coração estava acelerado, parecia um cavalo de corrida. Vários pensamentos rondaram a minha mente como, quais pessoas eu encontraria naquele lugar, quais assuntos estudaria e principalmente quantos amigos faria. Tudo era novo, e ninguém sabia nada sobre mim,  poderia ser quem quisesse.

Quando finalmente cheguei à universidade fiquei admirada com o tamanho daquela instituição, o ar gelado da manhã doeu nas minhas bochechas desci do ônibus. Fiquei atordoada em meio a tantos estudantes perdidos procurando as suas salas, a maioria eram calouros como eu. Uma estudante veterena de biologia me deu algumas orientações e consegui chegar até a sala de aula.

Abri a porta bem devagar com receio que a aula houvesse começado, mas, só havia uma garota na sala, sentada na segunda cadeira da fileira do canto esquerdo. Caminhei calmamente até uma das cadeiras e sentei-me. A garota era morena, com cabelos escuros lisos e traços espanhóis, usava blusa rosa e calça jeans preta, além de tênis esportivos brancos. Ela olhou em minha direção  e iniciou uma conversa.

_ Oi, meu nome é Carla, como é o seu nome?_ Perguntou em tom amigável.

_Meu nome é Maria, você sabe se a aula foi cancelada. _ Respondi e puxei mais assunto.

_Não, nós apenas chegamos cedo demais. _ Ela sorriu.

Ela realmente estava sendo gentil e aberta, não se parecia em nada com o meu primeiro dia no ensino médio, talvez a faculdade fosse mesmo a melhor fase da vida das pessoas.

Outros alunos começaram a entrar na sala e preencher os lugares, em menos de uma hora a sala já estava completamente lotada. O professor chegou trazendo seus livros, um copo de café e as chaves do carro, lembrava um equilibrista carregando tantas coisas ao mesmo tempo. Após colocar os objetos sobre a mesa, o homem pálido de aproximadamente um metro e oitenta, com cabelos loiros e idade aparente de quarenta anos, começou a falar.

_Bom dia, turma! _ Disse com a voz rouca. _ Primeiramente, sejam bem-vindos! Esse é o primeiro dia de uma jornada importante na vida de vocês, pois o trabalho que irão fazer depois desse experiência tomará mais tempo das suas vidas que qualquer outra coisa. _ Continuou.

Ele olhou para nós com curiosidade e começou a interrogar um a um. Fazia perguntas sobre a motivação para escolher o curso, se o dinheiro era o mais importante e coisas nesse sentido. De repente minhas mãos começaram a suar, minha pele estava gelada, não só pelo fato de ter que falar em público, mas também por não poder justificar a minha escolha contando o real motivo, eu precisava inventar algo rápido, de preferência que não envolvesse um trauma de infância. Tentei conter as lágrimas que começavam a brotar dos meus olhos lembrando de todo sofrimento que havia vivido no passado, omg!!! Não era para ser assim meu primeiro dia de aula, aquele era o meu recomeço. Levei um belo susto quando professor falou o meu nome e voltei a realidade.

_Sim, professor. _ Sussurrei.

_Queremos saber porque você quer ser médica. _Falou entusiasmado.

_Claro. Então, eu quero ser médica para cuidar da saúde de crianças em situação de vulnerabilidade. _ Tentei dar uma resposta que fosse condizente com os meus objetivos, mas que não entregasse mais do que eu queria.

O senhor Oliveira pareceu encantado com a minha resposta, também pude notar certo respeito por parte dos meus colegas, alguns até aplaudiram.  Estava muito aliviada com esse acolhimento, nada de risos ou piadas maldosas, de certo ser adulta e conviver com adultos faria muito bem à minha saúde mental.

A aula prosseguiu com muitas risadas e trocas interessantes, todos os alunos pareciam focados, sérios, inteligentes e determinados. Quando estava saindo da sala fui surpreendida por Carla e mais duas garotas. Uma delas era loira, com olhos verdes, cabelos longos, e altura de um metro e sessenta. A segunda garota tinha a mesma altura, mas era ruiva e com alguns pircings espalhados pelo corpo, uma aparência bem roqueira. Saímos para explorar o Campus enquanto a aula seguinte não começava, haviam tantas pessoas diferentes naquele lugar, tanta diversidade e pluralidade. Sentamos para tomar um café, elas engataram uma conversa sobre festas, ex-namorados e planos para o semestre. Comecei a me sentir deslocada, eu nunca tivera um namorado ou ficante, o medo dos homens me congelava por inteiro, todas as minhas paixões haviam ficado no mundo das idéias.

Omg!! Aquele realmente era um papo de mulheres adultas, sentadas em um café, falando sobre homens, festas, viagens e compras. Mas, não conseguia me encaixar, estava muito deslocada, o que de fato começou a incomodar bastante, na verdade era como um choque de realidade, mesmo que eu quisesse recomeçar e esquecer todo o passado não poderia, pois são as suas experiências que formam você e isso ficou extremamente evidente quando comecei comparar a minha adolescência com a daquelas garotas, sendo que nessa fase eu não saía de casa, chorava no banheiro da escola, passava o tempo livre deitada e pensava constantemente em sumir.

Tentei disfarçar o meu desconforto e puxei assunto.

_Vocês estão ansiosas pela próxima aula?_Questinei interrompendo a conversa.

_Sim, claro!_ Responderam surpresas com a minha intromissão. O que me deixou muito envergonhada, por pensar que estava forçando uma situação e mendigando a atenção daquelas completadas estranhas, só para estar enturmada.

Voltamos para o Campus, assistimos as outras aulas do dia, em seguidos fomos até a biblioteca pegar os livros que os professores haviam recomendado, omg!! por que raios livros universitários são tão pesados?? Infelizmente a minha mochila acabou rasgando com todo aquele peso, Uhuuuuu a faculdade realmente era um sonho.

Cheguei em casa com as costas doendo após passar horas em pé no ônibus com os livros quebrando as minhas costas e o que sobrou da mochila, estava realmente exausta e frustada, o dia fora muito confuso, de fato o acolhimento que recebi na faculdade nem se comparava com o do ensino médio, mas mesmo assim a sensação de solidão e vazio continuavam latejando dentro de mim, realmente não imaginava como me encaixaria no meio de toda aquela gente feliz e independente, que vive a vida de forma intensa e aproveita tudo que ela oferece. 

Horas depois deitada em minha cama fiquei fitando o teto, pensando se haveria salvação para mim, se em algum lugar do mundo eu seria feliz ou se aquela sensação de estar quebrada permaneceria sempre comigo, como se estivesse condenada a me sentir só e deslocada.



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⏰ Última atualização: Jun 27, 2021 ⏰

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