PRÓLOGO

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     -Cadê esse maldito chinelo?

     Depois de uma noite de sono inquieta resumida a ficar rolando de um lado a outro da cama e não conseguindo dormir o que não pareceram mais do que alguns minutos, Jack resolveu levantar e beber alguma coisa.

     Ajoelhou-se ao lado da cama e curvou-se para procurar o bendito chinelo perdido, desistindo quando não encontrou nada mais além de pó e uma velha meia encardida.

     Levantando-se, irritado, decidiu deixar o outro chinelo ao lado da cama - de nada lhe serviria andar com um pé só do calçado - e saiu descalço mesmo.

     Quase se arrependeu ao topar com a quina da porta, mas logo esqueceu a dor quando algo desviou sua atenção.

     A luz. Havia luz iluminando o corredor.

     Seu olhar dirigiu-se rapidamente ao relógio digital da mesa de cabeceira. Quatro e dez.

     Seus olhos ardiam de sono, mas ele sabia que a curiosidade acerca do porquê de haver luzes acesas e ter despertado nesse horário tão incomum não o ajudariam em nada com sua insônia. Numa tentativa de espantar ao menos parte daquela letargia, Jack passou as mãos pelo rosto e cabelo.

     Passou o olhar pelas paredes simples e praticamente vazias do seu quarto em busca de algo que talvez pudesse estar fora do lugar e, não encontrando nada de anormal, resolveu investigar mais de perto saindo do quarto em direção à fonte de luz.

     Com os pés descalços a produzirem suaves ruídos no assoalho e os cabelos desgrenhados e amassados pelas voltas e voltas dadas pela cama, Jack apertou seus olhos, ainda desacostumados com a luz, e parou em frente à porta entreaberta do banheiro silenciosamente.

     Inspirou para tomar coragem e bateu levemente no portal de madeira.

     Sem resposta.

     De repente escutou um ruído surdo, talvez algo batendo no chão.

     Agora o medo vazava de seus poros, acordando sua mente agora não mais enevoada, mas sim inquieta. Sentia seus músculos tensos e o corpo carregado de adrenalina, o suor frio descendo por sua espinha.

     Empurrando a porta suave e lentamente, numa tentativa de evitar fazer ranger as dobradiças - que careciam muito de óleo, ele tinha visto na manhã anterior - Jack espiou cuidadosamente por entre a fresta que se abria.

     Vendo aquela cena que se desenrolava no banheiro, soltou a respiração que não percebeu estar prendendo num sonoro suspiro de alívio, relaxando os ombros até então tensos.

     Carla, querida, ele pensou.

     Sua linda sobrinha de quase uma década de idade se encontrava sentada na tampa do vaso, os olhinhos fechados e o queixo apoiado no peito. A cena ficava completa com a visão de sua boquinha entreaberta, a saliva molhando a camiseta do tão querido pijama do Pateta. Uma de suas mãozinhas estava esticada para baixo, onde um pequeno livro repousava no chão ao lado do vaso. Provavelmente sua queda foi a origem daquele baque que ele ouvira.

     Com alívio a inundar seu peito e lágrimas inoportunas nos olhos, Jack ficou ainda um tempinho apenas a observá-la dormir antes de despertá-la para que se fosse para a cama.

     Pesaroso por ter de quebrar o encanto daquele momento, abaixou-se frente a ela e sussurrou seu nome enquanto a sacudia levemente.

     A menina teve um sobressalto e despertou, abrindo os olhos cor de esmeralda preguiçosamente. Piscou algumas vezes enquanto olhava ao redor, confusa.

     Jack olhou a menina e, por um momento, a expressão dela era a mais encantadora possível.

     -Tio Jay? -a pequena parecia perdida, mas reconheceu-o. Espreguiçou-se e jogou seus bracinhos pelo pescoço de Jack carinhosamente, apoiando a bochecha lisa e gordinha no pescoço do tio.

     -Tio Jay, sonhei... Eu sonhei com ela...

     -Com quem, querida? -Jack conseguia ouvi-la melhor se a garotinha não falasse diretamente ao seu pescoço, então ele a soltou apenas o suficiente para que conseguisse ver seu rosto. -Com quem você sonhou, Carlinha?

     -Eu... Eu sonhei com a mamãe! - seu sorriso era tão lindo... E tão, mas tão parecido com o de Anabel...

     Ele levantou-se, triste, e levou a menina consigo pela porta do banheiro, passando pelo corredor com a cabecinha da menina apoiada em seu ombro de forma carinhosa.

     -É mesmo, pequeña? E como foi? Ela falou com você? -perguntou, fracassando terrivelmente em tentar fazer sua voz não soar triste ou ansiosa.

     -Sim - agora chegavam ao Quarto Amarelo de Carla, que deu um sonoro bocejo antes de ser descida à sua pequena cama de girassóis.

     Após enfiar-se debaixo de sua coberta e esperar pacientemente que Jack se sentasse no canto de sua cama, Carla continuou:

     -Ela me pediu para que eu cuide de você - uma doce inocência tranbordava de seus olhos e de sua voz. -E quer que eu o ajude quando chegar a hora.

     Jack, agora alarmado, sentiu em seu coração que aquele era um momento importante.

   -Querida, que hora? -sussurrou, numa nova tentativa de não deixar transparecer seu medo na voz e acabar assustando a criança.

     -Não se preocupe, Jack -a menina levantou a mão e a pousou na bochecha dele com carinho. -Ela me disse que você saberá quando ela chegar.

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