Jack possuía o costume de acordar na companhia do astro-rei, assim como a maioria das famílias do campo. É para poucos o prazer de encantar-se com a beleza e o esplendor dos raios do sol nascente colorindo o mundo, as copas das árvores sussurrando segredos ao suave vento, seus galhos coalhados de pássaros a despertar enquanto pálidos filetes de luz invadem as janelas..
Com uma xícara fumegante de café entre as mãos, Jack contemplava silenciosa e calmamente o mundo a despertar à volta de sua velha cadeira.
Na grande colina ao longe podia se perceber certa vibração estranha, daquele tipo que aparece quando algo importante pode estar para acontecer, bom ou ruim... Uma sensação que Jack apenas interpretou como uma possível chuva a caminho, afinal, o período de chuvas se avizinhava.
Havia certa diferença - sutil, porém perceptível por entendedores - no comportamento dos animais da fazenda. Pareciam... inquietos.
Os pássaros, enlouquecidos, pulavam e piavam nos finos ramos das árvores enquanto faziam-se ouvir os cavalos relinchando e batendo seus cascos nas baias. As galinhas cacarejavam sem parar descendo de seu pequeno poleiro e Norbert estava com problemas para controlar seu pequeno harém de patas. É, parecia que uma torrente estava mesmo a caminho.
Levando a xícara aos lábios, Jack apenas resignou-se, afinal, a fazenda precisaria ser trabalhada independente se chovesse ou não. Calculando quanto tempo teria antes de cair a água, o único que poderia fazer era programar seu dia para que as tarefas que devessem ser feitas antes da chuva fossem terminadas a tempo.
O dia seria cheio.
Talvez tirasse logo os cavalos do celeiro para o pátio para que aproveitassem o tempo limpo. A única vaquinha tinha de ter seu leite tirado logo, pois seu medo de tempestades poderia fazê-la embestar e prender o leite. Seu alimento deveria ser posto no cocho e sua água conferida, talvez o tanque lavado e a água trocada.
Sorte a dele de que Carla se encarregaria dos ovos e das galinhas, que deveriam ser alimentadas no terreiro - ou no paiol, caso já estivesse chovendo quando a garota saísse da cama. Assim, para aquele dia ficaria apenas uma semeadura que estava programada para a estação e os afazeres com os cavalos.
Escovar e alimentar ficariam para mais tarde, ele poderia fazê-lo durante a tempestade. Suas baias também receberiam atenção antes da água, se fosse possível.
Depois disso, se ainda desse tempo, trabalharia limpando um pouquinho da pequena horta ao lado de casa antes de ajudar Anita, sua vizinha e amiga que cuidava de Carla enquanto ele estava fora, a terminar o almoço. Carla também a ajudava e, quem diria, a menina tinha certo talento com a comida.
Jack sibilou quando o café quente queimou seus lábios.
-Droga! - praguejou. O sol já subia no horizonte, seus raios já atingindo seu rosto. O que significava que seu dia de trabalho acabara de ter início.
Saiu de sua velha cadeira e entrou em casa para o café da manhã.
Verificou a temperatura da água que havia posto mais cedo no velho monstro que era seu fogão a lenha e sentou-se à mesa.
Ainda um pouco mal humorado e com a língua parcialmente queimada, engoliu uma grossa fatia de pão com manteiga, comeu alguns ovos já cozidos que tirara da geladeira e, em seguida, partiu de casa com seu balde de água morna e uma escova de cerdas em direção ao celeiro.
Ao entrar pela grande porta de madeira, o homem deixou o balde e a escova num canto à parte e soltou os cavalos e o potro no pátio como planejado. Depois, juntou novamente suas coisas e se dirigiu ao lado oposto do celeiro, onde já lhe esperava sua próxima tarefa.
-Judy, quer você goste ou não, esse leite entrará neste balde - ele olhou com firmeza para a vaca gorda que o encarava com gula aparente, os olhos brilhantes e negros o desafiando.
Primeiro a lavou e esfregou com a grande escova usando a água da mangueira pendurada ali perto, o que deixou a vaca limpa, porém impaciente.
Ele já tinha o pasto pronto - o havia deixado ali já na noite anterior - e apenas o jogou no grande cocho. Quando a cabeça da fêmea passou pela trave que trespassava o comedouro, usou a corda que estava nela e enlaçou com habilidade a cabeça pelos chifres para que não o alcançasse com eles, porém de modo a deixá-la com mobilidade o suficiente para não machucar a vaca e esta poder comer. Rodeando-a, amarrou da mesma maneira suas duas pernas traseiras para que não escoiceasse a ele ou ao balde com elas. A vaca sequer piscou: aquilo já fazia parte da rotina. Por mais que às vezes ela quisesse se rebelar - sobretudo em época de cio - Jack a tratava com paciência, o que seu dono anterior não fazia.
Jack deu a volta pelo pequeno espaço em busca de seu banquinho de três pernas de uso habitual, mas não o encontrou. Acabou por optar pela bacia de farelo de seu falecido cachorro que ainda ficava ali.
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Perdidos em Outra Vida
General FictionSem o amparo de seus falecidos pais e agora com o tio e a professora sumidos, responsabilidades antes impensáveis a uma garota de 13 anos caem de repente sobre os ombros de Carla. Unindo esforços a Anita, vizinha e amiga muito querida e a seus dois...