Fome

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(Jeongguk)


Quando você está na frente de uma sala de aula, incumbido da tarefa de passar o que você sabe para pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que você, a perspectiva é completamente diferente de quando era você no lugar daquelas pessoas.

Isso, Jeongguk aprendeu, fazia toda a diferença.

Ele nunca se considerou como alguém que sabia o suficiente para compartilhar com as pessoas. Sabia o que sabia e aquilo bastava para que ele fosse um dançarino razoável. Conseguia algumas posições de destaque nas coreografias que dançava, mas tinha plena consciência de que Hodong e Hoseok eram as verdadeiras estrelas do time – além de Jimin, Jackson, Jongup, Junhong, Yugyeom...

Aceitar o convite de Hoseok havia sido uma forma de se livrar das mensagens que chegavam nos horários mais inconvenientes. Um voto de confiança que o mais velho lhe dava e que, pedia, Jeongguk desse a si mesmo também. "Eles não dançam há tanto tempo, você vai ver que tem mais a ensinar que imagina", dizia um dos muitos apelos de Hoseok, e Jeongguk logo concluiu que se referia aos alunos. "Eu não tenho a quem mais recorrer, Jeongguk, você é minha última esperança".

"E por que não você, hyung?", mandou de volta, sabendo que iria acabar cedendo eventualmente, quando percebesse que sua única forma de escapar era ir.

Hoseok iria logo perceber que era uma má ideia.

"Pelos velhos tempos?", foi a resposta que obteve, a qual na verdade não respondia nada.

Ser a pessoa diante do espelho, a pessoa para quem todos os olhares da sala estavam voltados, não era uma sensação nova. Do grupo em que dançava, todos acabavam coreografando uma hora ou outra, incentivados pelo líder e pelos mais velhos a se desenvolverem como dançarinos ao máximo – executando, coreografando e avaliando se necessário fosse. Mas o tempo passado longe havia tornado o quadro que vivia em uma pintura distorcida.

Lecionar e dançar ainda lhe trazia uma euforia que ele não sabia como descrever. A adrenalina que era despejada em seu sangue sem dó enquanto as primeiras gotas de suor pintavam sua pele, molhavam sua camisa, banhavam seus cabelos, fazia sua pele formigar, como se vibrasse em compasso com a música. No entanto, isso não significava que ele estava sempre certo – ou que não enxergava o que se passava às suas costas.

Jeongguk foi capaz de notar os olhares de desespero quando ele passava uma sequência nova. Podia ouvir os cochichos entre os que pareciam mais desanimados, os suspiros de frustração. Estava perceptível o quanto o descontentamento se espalhava – e se refletia na diminuição de pessoas que compareciam a cada dia.

Tentou explicar aquele aparente desinteresse com questões mundanas não diretamente atreladas ao seu desempenho, porque— Porque—Céus, ele não queria admitir, mesmo que ele tivesse aceitado a oferta de Hoseok ciente daquela possibilidade desde antes de chegar ao Hope Dance Studio.

Ao final das primeiras semanas, Jeongguk precisava pelo menos reconhecer que estava... vendo sua afeição de outrora, a qual ainda estava enraizada em algum lugar de seu peito, ganhar novamente espaço em si e que alguma coisa errada existia para que as pessoas não sentissem o mesmo que ele.

Dançar havia sido a única forma que encontrara para que seu eu do passado não seguisse um caminho tortuoso de amargura e sofrimento. Era a força motriz que o levara a superar os obstáculos da adolescência, em que o mundo parecia ser maior, e os problemas pareciam ser mais complicados que realmente eram. Não deveria ser o motivo para os olhares sem brilho, para os lábios que se curvavam para baixo, para os passos arrastados ao sair da sala.

Stiletto [ jjk + kth • taekook ]Onde histórias criam vida. Descubra agora