A minha história começa no fim! No fim da minha vida como eu a conhecia até aquela manhã de segunda-feira. Durante boa parte da minha existência, a minha rotina diária começava da mesma forma. Acordar às dez para as seis da manhã, saltar da cama, ir para a cozinha colocar a máquina de café a funcionar, dar de comer a minha amiga de todos os momentos, a Cloe, uma cadela de raça Street Dog, pura, que tinha encontrado na rua no primeiro dia em que tinha ido morar para aquela casa. A Cloe é linda, pequena e peluda, branca como a neve mas muito dócil, se bem que por vezes é um pouco desconfiada com quem vai lá a casa. Mas eu adoro-a. Dou-lhe de comer e bebo o meu café e corro para a casa de banho. Depois de pronta, despeço-me da Cloe e início a minha viagem de duas horas para o meu emprego, que inclui quinze minutos de autocarro até a estação de comboios, onde viajo durante sensivelmente trinta e cinco minutos, no final dos quais salto para dentro de outro autocarro por mais vinte minutos e chego por fim ao meu amado emprego. Esta segunda-feira não foi diferente, chega a ser engraçado, mas se eu fosse alguém importante e se me quisessem raptar eu seria uma presa fácil de encontrar. Mas lá fui eu a minha vidinha.Trabalho numa empresa ligada à organização de eventos, mais precisamente sou assistente pessoal do ser mais desprezível que conheci até hoje, tirando o meu pai, claro. Não fosse a minha chefe, penso que gostaria muito do meu trabalho, mas como em tudo na minha vida, havia o mas! A Dra. Ana, minha chefe, vulgo Praga dos sete infernos, fazia justamente isso, tornava a minha vida num inferno a tal ponto que esta manhã eu só pensava na sexta-feira, ao fim do dia. Ela tinha sempre algo para apontar, alguma crítica a algum trabalho que tivesse feito e que aos seus olhos estava mal.
Hoje eu estava particularmente irritada com ela e ainda não a tinha visto. Cheguei ao escritório, antes da praga chegar. Entrei na minha sala depois de passar pela portaria onde havia uma pequena confusão, provavelmente alguém importante estava ali, mas nem liguei e continuei o meu caminho. Pendurei o meu casaco no cabide, liguei o meu computador e resolvi ir até à máquina que havia no corredor buscar um café. Estava de costas para a entrada e nem me apercebi que a chata tinha chegado.
- Estou a ver que não lhe dou trabalho suficiente. Já tratou da lista para o evento da A.B?
Evento da A.B? Do que estava ela a falar? Não me lembrava de nada sobre isso, apenas me lembrava que sexta-feira quando sai ela tinha ficado numa reunião com alguém dessa empresa, mas mais nada surgiu na minha mente.- Angela, as listas estão prontas? A raiva sentia-se no seu tom e eu comecei também a ferver.
- Dra. Ana, não me disse para fazer nenhuma lista e nem sei do que se trata. Falei o mais calmamente que consegui.
- Está visto que tenho de lhe dizer tudo, a A.B contratou-nos para fazermos a apresentação deles a comunicação social, na sexta. Portanto, já devia ter essa parte do trabalho feita.
- Claro que sim, só é pena eu não ter o poder da adivinhação, respondi com o meu tom de voz a alterar-se. Descontrolei-me e pensei em voz alta! Percebi isso, assim que vi o olhar surpreso com que me olhou, mas rapidamente se recompôs e vi divertimento nos seus olhos.
- Se fosse minimamente responsável e eficiente eu não teria de lhe dizer tudo. Um dia destes tenho de arranjar alguém que não seja tão atrasada mental como você.Não era a primeira vez que ela falava comigo daquela maneira, mas hoje eu estava particularmente sensível aos seus comentários. Então fui assaltada por um sentimento forte que não soube identificar e que me fez virar para ela e responder, coisa que raramente eu fazia.
- Se calhar está na hora de você fazer isso, porque estou cansada de tentar agradá-la e a única coisa que recebo em troca são essas suas palavras azedas, como você. Sabe, às vezes quando penso no meu futuro peço a Deus que não permita que eu fique como você, ressabiada, uma mulher fria e sem um pingo de compaixão.
- Está a despedir-se? O riso de gozo no canto da boca dela apenas fez com que eu ficasse ainda mais irritada.
- Estou, neste preciso momento, não quero nem respirar o mesmo ar que a senhora. Para mim chega!Voltei para a minha sala e comecei a arrumar as minhas coisas para sair dali. As lágrimas estavam presas na minha garganta, mas não lhe ia dar o prazer de as ver. Senti a presença da peste atrás de mim, mas nem me dignei a olhar para ela.
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Once upon a time
CasualeQuando somos crianças e nos perguntam o que queremos ser quando formos crescidas as respostas por norma são bombeiro,modelo, veterinária,...Quando me perguntavam eu costumava responder "feliz!" Era o que eu sempre ouvia da minha mãe, " quero que sej...