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Kim Yuri corria apressada por entre a floresta densa do lado este do território norte Kandriano em direção à fronteira. Ela sentia os braços dormentes por carregar o filho de poucos anos de idade no colo por toda a extensa vegetação, tentando proteger ambos do inferno que viveriam dali em diante, isto é, se não acabassem mortos primeiro.

O marido de Yuri foi um dos duzentos militares mortos a mando do ditador Han Soonam, tendo sido executados em praça pública por desativarem câmaras de segurança e gravadores instalados em suas casas, tal como existiam em todas as outras, numa tentativa de organizar uma rebelião contra o político.

Soonam não gostou de ter a sua autoridade questionada. Ele precisava saber o que todos faziam, diziam e pensavam. Um desejo grotesco de controlar o povo o dominava. Qualquer um que desobedecesse ou fosse contra os seus ensinamentos seria severamente punido tal como as suas famílias fortemente doutrinadas que sofriam autênticas lavagens cerebrais, praticamente desdo dia dos seus nascimentos.

Era assim desde sempre. Por mais de um século, a família Han tomava o poder deixado pelo homem mais velho anterior, seguindo assim um ciclo geracional de pai para filho. Não havia informação que fosse passada ao povo sem antes ser aprovada pelo ditador e os seus conselheiros meticulosamente escolhidos, também eles vindos de gerações de antigos conselheiros e amigos próximos, estudados a dedo.

Yuri não conseguia mais aguentar, os pés descalços sangravam machucados demais por pedras e galhos irregulares. Ao longe poderiam ser ouvidos tiros e gritos horrorizados. Não eram apenas eles que tentavam escapar, fugir dos seus terríveis fins, mas talvez apenas poucos deles conseguiriam efetivamente passar a fronteira para o sul, uma região que não conheciam de forma alguma. Mesmo assim, depositavam toda a sua confiança no caminho desconhecido. Morreriam de qualquer forma. Porque não morrer tentando?

A informação limitada e doutrinação precoce não lhes dava chance de saber o que existia para além dali. Além daquele território manchado, além da dor, do sofrimento, do medo constante... Não tinham oportunidade de pensar fora da caixa e aceitavam tudo o que lhes obrigavam a engolir como verdades absolutas.

A Kim deixou o filho atrás de uns arbustos grandes e floridos. Seungmin tentou protestar agarrando as pernas da mãe, tentando se arrastar para longe de olhos marejados e coração partido. A mulher grunhiu desmanchando-se em lágrimas, beijou a testa do filho ouvindo os passos pesados cada vez mais perto. As folhas das árvores balançavam furiosamente ao vento, uma tempestade anormal se aproximava junto de um temporal atípico.

Retirou o colar que trazia ao pescoço, a única lembrança que restou do marido e deixou no pescoço da criança que não entendia a razão de estar sendo deixada ali.

—Não ouça filho! Não dê ouvidos para nada nem ninguém. É tudo mentira! Tudo o que eles dizem é mentira!- gritou apertando a criança entre os braços numa despedida dolorosa. —Fuja, por favor. Mamãe te ama, mamãe vai te proteger!

—O-onde está o papai?- perguntou amassando a camisa da mulher entre os dedos pequenos tremendo apavorado. Um sentimento ruím se apossando do pequeno de olhos grandes, arregalados. —Porque ele n-não vem? Porque vai me d-deixar?

O som de disparos estridentes e gritos de horror aumentaram. A movimentação das ervas era evidente, os soldados estavam quase lá. —Mamãe te ama, Minnie.- finalizou sentindo a boca secar e um nó que não descia na garganta. Com cuidado arrastou o filho de volta para entre os arbustos e correu suplicando para que o menor não a seguisse e apenas ficasse ali, esperando.

Gritou ao sentir sangue ainda quente espirrar em seu rosto. O corpo de três crianças e uma mulher arrefeciam em uma poça carmesim em sua frente, enquanto um adolescente desfalecia com os miolos estourados até cair no chão na mesma poça.

The Kandria Prison RevolutionOnde histórias criam vida. Descubra agora